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domingo, 9 de julho de 2023

Teoria do desenvolvimento psicossexual infantil (un 2)

 

CONVERSA INICIAL

Bem-vindos(as)!

Na aula de hoje, o primeiro texto trará um fechamento sobre o tema dos “Três Ensaios”, apresentado em conteúdo anterior, e falaremos sobre a importância das fantasias na formação da sexualidade infantil. Embora os “Três Ensaios” já tenha começado a ser idealizado nas cartas a Fliess, após sua publicação em 1905, Freud continuou a revisá-lo, tendo concluído a última versão em 1925, pouco antes de sua morte. Em função das constantes revisões, os “Três Ensaios” se tornou um texto denso e em alguns pontos confuso, pois muitas informações foram inseridas sem considerar a cronologia da própria obra psicanalítica, como pudemos observar quando Freud insere sua teoria sobre o masoquismo e sobre o narcisismo infantil, tópicos que só serão tratados mais tarde. Depois, falaremos sobre Esclarecimento Sexual das Crianças e sobre as Teorias Sexuais das Crianças.

TEMA 1 – MINHAS TESES SOBRE O PAPEL DA SEXUALIDADE NA ETIOLOGIA DAS NEUROSES

Nesse texto, Freud (1905) traz a importância do conhecimento sobre o fator sexual na etiologia das neuroses. Originalmente, a hipótese freudiana sobre a importância do fator sexual surgiu no estudo sobre as neurastenias. Antes de continuarmos, vamos fazer um breve esclarecimento sobre a neurastenia e a diferenciação das neuroses. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001, p. 295), a neurastenia “compreende um quadro clínico centrado numa fadiga física de origem ‘nervosa’ e sintomas dos mais diversos registros (...) cefaleias, dispepsia, prisão de ventre, parestesias espinhais, empobrecimento sexual”. Segundo os autores, a neurastenia se enquadra no grupo das neuroses atuais que, como o próprio nome diz, são neuroses cuja origem está no presente e não na infância; elas são a expressão simbólica de insatisfações sexuais e, além da neurastenia, possuem a neurose de angústia (baseada em sintomas como espera ansiosa crônica, acessos de angústia ou equivalentes somáticos) e a hipocondria. As neuroses atuais se diferenciam das psiconeuroses, sendo as últimas de origem infantil (neurose histérica, neurose obsessiva, fobias e paranoia).

Quando tratamos das neuroses atuais, aqui a neurastenia e a neurose de angústia, observou-se como a questão sexual tinha uma grande importância e influência na origem dos sintomas. Como já comentamos anteriormente, em uma sociedade como Viena do início do século XX, repressora e machista, não era difícil compreender por que os transtornos se davam com mais frequência na esfera sexual e em mulheres. Nesses transtornos atuais, a causa dos sintomas estava frequentemente associada à masturbação frequente, polução noturna e ao coito interrompido. Já nas psiconeuroses, em seus estudos com as histéricas, Freud (1905, p. 259) percebeu que os sintomas “eram efeitos persistentes de traumas psíquicos, e de que, por circunstâncias especiais, as somas de afeto a eles correspondentes tinham sido desviadas da elaboração consciente, com isso facilitando para si um caminho anormal para a inervação somática”. Ou seja, ainda que houvesse fatores sexuais envolvidos na formação do sintoma, o trauma desencadeante nem sempre tinha um conteúdo sexual em si, e por meio do método catártico, era possível identificar como experiências banais poderiam ter se conectado de alguma forma com a vida sexual do paciente e, com isso, desencadeado a doença.

No entanto, ao longo dos estudos, Freud (1905, p. 260) percebeu que nem sempre as lembranças suscitadas eram reais:

Desde então, aprendi a decifrar muitas fantasias de sedução como tentativas de rechaçar lembranças da atividade sexual do próprio indivíduo (masturbação infantil). Esclarecido esse ponto, caiu por terra a insistência do elemento “traumático” presente nas vivências sexuais infantis, restando o entendimento de que a atividade sexual infantil (seja ela espontânea ou provocada) prescreve o rumo a ser tomado pela vida sexual posterior à maturidade.

Essa mudança no entendimento de Freud significa que, se antes ele acreditava que a formação das neuroses se dava por experiências traumáticas vividas na infância, agora ele passa a considerar o desenvolvimento sexual infantil como o efetivo formador das neuroses. Além disso, ele traz o conceito das fantasias (ficções mnêmicas) como construções feitas a partir de lembranças infantis e que se transformam, na puberdade, em sintomas. Ou seja, os traumas sexuais infantis são substituídos pelo “infantilismo da sexualidade” (Freud, 1905, p. 261). Segundo Laplanche e Pontalis (2001), as fantasias representam roteiros imaginários, deformações de lembranças recalcadas por processos defensivos. Na histeria e na neurose obsessiva, eles retornam na forma de sintomas no corpo ou em comportamentos compulsivos, e na paranoia eles são projetados para fora como delírios. Assim, Freud retoma sua concepção de que, para uma lembrança se tornar patogênica, ela deveria parecer intolerável ao ego. E uma vez que a defesa seja bem-sucedida, as lembranças intoleráveis são expulsas da consciência. Porém, uma vez que a lembrança inconsciente redobra seus esforços e se modifica, ela consegue voltar sob a forma de sintomas.

Ao avaliar pessoas saudáveis, Freud (1905) percebeu que a experiência de sedução infantil não diferia das pessoas doentes. O que era diferente era a reação dessas pessoas a essas experiências. Assim, uma pessoa normal ou saudável, durante seu desenvolvimento sexual infantil, foi capaz de ter uma certa dose de recalcamento sexual que se exteriorizou diante das experiências obtidas no mundo real. Já os doentes não souberam lidar com essas experiências, sua consciência não teve a habilidade adequada para lidar e recalcar as experiências aflitivas, mostrando aqui a importância da terapia infantil e a relevância disso mesmo quando a criança parece lidar bem com desafios, traumas e rupturas (como luto, bullying, violência doméstica, acidente etc.).

Em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud (1905) trouxe que a sexualidade infantil é variada e, por isso, chamada de perverso-polimorfa. A constituição saudável se dá a partir do recalcamento de certas lembranças, certas pulsões parciais, bem como à subordinação dessas pulsões parciais às zonas genitais. Quando há o desenvolvimento excessivo e compulsivo das pulsões parciais, ocorre a perversão, e o excesso de recalcamento acarreta na neurose (pois a perversão é o negativo da neurose). Assim, podemos concluir que “os sintomas representam a atividade sexual do doente” (Freud, 1905, p. 264), pois a formação das doenças se dá quando ocorrem perturbações nos processos sexuais, ou seja, quando há desvios na formação e no direcionamento da libido. Nesse sentido, Freud (1905) associa as psiconeuroses à dependência química, na medida em que a pessoa fica vulnerável à intoxicação e síndrome de abstinência.

TEMA 2 – ESCLARECIMENTO SEXUAL DAS CRIANÇAS

Esse texto foi escrito em 1907 como uma carta, na qual Freud pretendia elucidar se as crianças deveriam ser esclarecidas sobre os fatores que envolvem a vida sexual, qual a melhor idade para essa comunicação e como fazer isso. Como o próprio Freud (1907, p. 123) afirmou, fugir da questão da sexualidade humana é estranho e incoerente, já que é a dúvida é comum e perfeitamente razoável a partir de determinada idade:

Que propósito se visa atingir negando às crianças, ou aos jovens, esclarecimento desse tipo sobre a vida sexual dos seres humanos? Será por medo de despertar prematuramente seu interesse por tais assuntos, antes que o mesmo [sic] irrompa de forma espontânea? Será na esperança de que o ocultamento possa retardar o aparecimento do instinto sexual por completo, até que este possa encontrar seu caminho pelos únicos canais que lhe são abertos em nossa sociedade de classe média? Será que acreditamos que as crianças não se interessarão pelos fatos e mistérios da vida sexual, e não os compreenderão, se não forem impelidos a tal por influências externas? Será possível que o conhecimento que lhes é negado não as alcançará por outros meios? Ou será que se pretende genuína e seriamente que mais tarde elas venham a considerar degradante e desprezível tudo que se relacione com o sexo, já que seus pais e professores quiseram mantê-las afastadas dessas questões o maior tempo possível?

Para aqueles que têm filhos ou que convivem com crianças, já sabemos que esconder esse tipo de informação é infrutífero. Nos tempos de Freud, as crianças podiam obter as informações sobre o que diz respeito à vida sexual dos adultos com irmãos ou crianças mais velhas, nas bancas de revista, nos livros e nas ruas, além da própria observação dos adultos sexualmente ativos. Hoje, além dos exemplos dos tempos de Freud, esse acesso se dá também na televisão, na internet, praticamente em qualquer lugar. E o próprio Freud (1907) comenta que omitir essa parte da vida das pessoas não irá manter a pureza e a imaginação das crianças, pelo contrário, irá deixá-las ainda mais curiosas. E de fato a orientação que damos a todos os pais em consultório é que precisam tratar do tema com naturalidade, pois é com essa naturalidade que a criança irá entender a dimensão que esse tema realmente precisa ter em sua vida. Para o autor, a sexualidade acompanha o indivíduo desde seu nascimento. As crianças percebem que o pênis endurece e entendem como cócegas, elas se satisfazem manipulando seus genitais, segurando as fezes ou chupando os dedos – ou seja, estimulando as zonas erógenas, canalizando e satisfazendo suas pulsões parciais. Criar mentiras de que não é nada cria insegurança e fantasias nocivas sobre o sexual, pois a criança tem necessidade de entender o próprio corpo e as relações humanas em todos os espectros. Segundo o autor, “a puberdade apenas concede aos genitais a primazia entre todas as outras zonas e fontes produtoras de prazer, assim forçando o erotismo a colocar-se a serviço da função reprodutora” (Freud, 1907, p. 125).

A curiosidade das crianças sobre o sexual começa desde muito cedo. Aqui, ao trazer o caso do “Pequeno Hans” (que falaremos em conteúdo posterior), Freud comenta que o menino nunca havia sido exposto à sedução de uma babá ou de uma irmã mais velha, mas desde cedo demonstrava interesse pelo “pipi”. Perguntava à sua mãe se ela também tinha um “pipi” como o seu, e perguntava várias vezes para se certificar da resposta. Depois, começou a fazer associações com as partes do corpo dos animais, como as tetas da vaca como se fossem “pipis”. Após muito refletir sobre o assunto, ele trouxe a primeira conclusão de que as vacas e os cavalos também tinham “pipis”, mas as mesas e cadeiras não o tinham. Ao ver sua irmã tomando banho, ele pensou que ela também poderia ter pipi, mas que ainda era muito pequeno e precisava crescer mais. Segundo o autor, esse questionamento é comum entre as crianças, e isso não as torna com problemas patológicos ou com uma sensualidade exacerbada, mas apenas crianças normais com curiosidades normais.

O autor também traz que as mentiras sobre esse assunto podem abalar a confiança das crianças nos adultos, e faz com que queiram esconder seus desejos e temores mais íntimos, pois não sentem que podem confiar nas pessoas que estão ao seu redor. Em uma carta que Freud (1907) compartilhou em sua carta, ele trouxe o exemplo de uma menina órfã que pedia para a tia lhe dizer de onde vinham os bebês, já que a explicação da cegonha não lhe parecia convincente. Segundo o autor, a tentativa de enganar a curiosidade de uma criança, usar da religião ou de outros artifícios só irá contar para a formação de neuroses ou tornar a criança um futuro adolescente revoltado.

Outro exemplo que o autor trouxe em seu texto foi o raciocínio de uma criança que não acreditava que as cegonhas traziam os bebês porque o ser humano é um animal e a cegonha não carrega os filhotes dos demais animais (embora alguns desenhos infantis ilustrem as cegonhas como realmente entregando todos os filhotes de animais). Por fim, Freud (1907) aconselha em seu livro que as escolas introduzam o tema em suas grades, em vez de tratarem do tema como um assunto proibido, pecaminoso.

TEMA 3 – TEORIAS SEXUAIS DAS CRIANÇAS

E, dando continuidade ao texto anterior, algumas das teorias sexuais das crianças estudadas por Freud (1908) trouxeram hipóteses interessantes sobre a origem dos bebês. Algumas das fontes dos estudos aqui apresentados são da observação direta das crianças, do que fazem e o que dizem, dos relatos dos pacientes neuróticos quando se recordam de suas experiências infantis, e dos sonhos apresentados nessas consultas, que também apresentam um vasto conteúdo sobre essas teorias. Entende-se que não necessariamente as lembranças e sonhos irão representar com fidedignidade as experiências passadas, mas o formato como essas recordações surgem esclarecem muito sobre como se procedeu as pressões educacionais, as exigências culturais e familiares e, com isso, o processo de recalque. Segundo o autor, ademais, todas as pessoas passam por essa experiência porque não é possível impedir ou prevenir uma criança de passar pelo interesse na sexualidade. No caso das pessoas saudáveis, essa passagem se dá de forma mais ou menos tranquila, e nos neuróticos e psicóticos, essa experiência se dá de forma distorcida, degenerada, “à custa de dispendiosas formações substitutivas, isto é, do ponto de vista prático trata-se de um fracasso” (Freud, 1908, p. 192).

A curiosidade das crianças pelo aspecto sexual não surge de modo espontâneo, mas a partir de alguma surpresa – o nascimento de outra criança, por exemplo – que a faz temer pelo amor de seus pais e das outras pessoas.

Essa rivalidade faz com que a criança queira saber como a nova criança chegou para poder desejar que ela seja devolvida caso ameace as relações de afeto (ou seja, a chegada de um novo irmão pode fazer a criança mais velha querer saber de onde vêm os bebês para poder devolver o irmão que está competindo pela atenção dos pais). Quando essa rivalidade é atenuada pelo carinho dos pais ou pela relação nova que se estabelece entre os irmãos, a pergunta continua como tentativa de compreender sua própria origem. E, na medida em que as respostas a essa pergunta sobre de onde vêm os bebês é evasiva ou permeada de mitos e fantasias, a criança não se dá por convencida e segue na empreitada de descoberta desse segredo e, consequentemente, da própria sexualidade. Conta Freud (1908) que uma criança ouviu de sua babá que os bebês eram retirados da água e levados por cegonhas; imediatamente, a criança foi até o lago mais próximo de sua casa e olhou dentro da água para tentar ver se conseguia achar crianças no fundo.

Ao referenciar o caso do Pequeno Hans, Freud (1908) trouxe que Hans, ao ver sua mãe grávida, percebeu que a história da cegonha não era condizente com o fato do bebê estar dentro da barriga de sua mãe. De fato, as crianças continuam a observar o comportamento dos adultos a respeito do tema para checar a veracidade das informações. A primeira teoria infantil é de que todas as pessoas, inclusive as mulheres, possuem um pênis. No Pequeno Hans, o menino acreditava que o pênis de sua irmã recém-nascida era muito pequeno, por isso não era possível vê-lo ainda. Assim, o principal temor dos meninos seria então o complexo de castração, o medo de perder o pênis. As meninas, embora tenham o clitóris no lugar do pênis, esse representa um pênis propriamente dito em todos os quesitos exceto a forma, podendo ser estimulado desde cedo pela menina, e na puberdade essa sexualidade precisa ser parcialmente reprimida para que as características masculinas do impulso sexual cedam para que surja a figura da mulher.

A segunda teoria sexual diz respeito a como os bebês saem da barriga de suas mães. Em um primeiro momento, a conclusão lógica das crianças é a saída pelo ânus, como um excremento, conectando o erotismo anal à atitude feminina. A terceira teoria sexual envolve a visão da criança de seus pais em uma relação sexual, que lhe leva a uma concepção sádica do coito. Junto a isso tem-se as hipóteses sobre o casamento e como se dá a suposta perda de pudor entre o casal – pessoas urinando uma na frente da outra, mostrando seus traseiros, misturando sangue – e o desafio de acreditar que os próprios pais sejam praticantes dos mesmos métodos que os pais de outras crianças (a famosa dificuldade da criança e do adulto aceitarem que suas mães precisaram fazer sexo para que elas fossem concebidas). Essas hipóteses são demonstradas em brincadeiras e jogos infantis, ou em sintomas tardios de fobias ou sintomas correlatos.

TEMA 4 – ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL

Muito embora esse texto tenha sido escrito somente em 1923, ele constitui um acréscimo aos 3 Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade de 1905. Em uma breve recapitulação, Freud (1923) comenta que nos “Três Ensaios” ele trouxe a perspectiva bifásica da sexualidade infantil (ou bissexual), as teorias sexuais das crianças e o desfecho da sexualidade após a vivência das zonas erógenas e das pulsões parciais, por volta dos 5 anos. Daí em diante, até a puberdade, a criança entra no período de latência até chegar à fase genital. Além disso, é na infância que se dá a escolha de objeto, escolha essa que se concretiza quando a criança entra na fase genital.

Nos meninos, suas teorias sexuais são baseadas no seu próprio pênis, e é pela comparação com o pai, com a mãe, com animais e objetos inanimados que esse menino começa a construir suas hipóteses sexuais. A exibição do corpo nu e a agressividade infantil também são formas de testar a curiosidade sexual, e é a percepção das mulheres e da sua falta de pênis que a criança inicia seus primeiros temores – o complexo de castração. Porém, “o significado do complexo de castração só pode ser corretamente apreciado se sua origem na fase da primazia fálica também for levada em consideração” (Freud, 1923, p. 159-60). Em consequência do complexo de castração derivam a depreciação das mulheres e a disposição patológica ao homossexualismo. Para a criança, a castração ou perda do pênis representa uma mutilação, uma punição, sobre a qual muitas pessoas inclusive usam para fazer as crianças obedecerem (não é incomum ouvir adultos dizendo a crianças desobedientes que eles tirarão o “pipi” delas se não passarem a obedecê-los). Com esse raciocínio, conclui-se que as mulheres foram punidas com a perda do pênis por terem descumprido alguma regra.

Depois, quando a criança se dá conta de que as mães são capazes de gerar bebês, aceita-se a falta do pênis e começa a hipótese de que o bebê, de alguma forma, substitui esse pênis perdido. Ainda na fase anal, anterior à fálica, a criança não diferencia o masculino do feminino, mas entre o ativo e o passivo, entre ter um pênis ou ser castrado; na fálica, o feminino volta a ter algum respeito e o útero passa a representar o valor do feminino. Por isso, em terapia, quando uma mulher que não pode ter filhos diz se sentir castrada, desprovida de ser mulher na completude, podemos compreender essas afirmações como uma nova elaboração da perda do pênis e o encontro de um substituto tardio.

TEMA 5 – ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS NA DISTINÇÃO DOS SEXOS

Esse texto é uma continuação dos textos anteriores, agora com a discussão sobre o desenvolvimento sexual nas mulheres. Tanto nos “Três Ensaios” quanto no estudo sobre as teorias sexuais infantis, Freud afirma que suas hipóteses são para o desenvolvimento sexual infantil dos homens. Em um primeiro momento, ele tentou estabelecer uma analogia entre o desenvolvimento sexual feminino como análogo ao masculino (usando, por exemplo, o clitóris como um órgão análogo ao pênis): isso se mostrou em diversos textos, nos quais Freud tentou definir que, assim como o vínculo do homem era para com sua mãe, o vínculo da mulher era para com seu pai – o que alguns tentaram chamar de Complexo de Electra (nome dado por Jung, com base na mitologia grega na qual Electra, filha de Agamenon, pediu ao irmão que matasse sua mãe para vingar a morte do pai). No entanto, com o tempo, Freud percebeu que a sexualidade feminina não poderia simplesmente ser uma cópia da sexualidade masculina, tanto que no texto do capítulo anterior Freud declarou que “infelizmente, podemos descrever esse estado de coisas apenas no ponto em que afeta a criança do sexo masculino; os processos correspondentes na menina não conhecemos” (Freud 1925, p. 275).

Segundo Strachey (1925), depois dos estudos com as histéricas, Freud nunca mais se deteve para o desenvolvimento feminino, até 1924 com o texto “A dissolução do complexo de Édipo”. Freud tentou estabelecer o seio como o primeiro objeto sexual de ambos os sexos e protótipo para todo o modelo de relação posterior, e aqui ele cria o protótipo de uma fase pré-edipiana para explicar como se dá o desenvolvimento sexual feminino, como se no caso das mulheres houvesse uma mudança no órgão sexual principal e no objeto de amor, o que altera como se dão o complexo de Édipo, o complexo de castração e a construção do superego. O superego, que vocês verão mais a fundo em outras disciplinas, faz parte da segunda tópica (ou segunda teoria do aparelho psíquico, composta de id, ego e superego), na qual o superego é responsável pela censura do ego, pela consciência moral e pela formação de ideais, que são a interiorização das regras e exigências parentais, sociais).

No resumo da construção sexual dos meninos, Freud resumiu da seguinte forma: o seio da mãe é o primeiro objeto sexual que canalizou sua libido para o prazer de ser alimentado e cuidado. Ao mesmo tempo, o pai surge como um rival, o que precisa ser afastado ou substituído. O Complexo de Édipo ocorre durante a fase fálica e se conclui com o complexo de castração; durante esse período, o autoerotismo e o narcisismo se constituem, o menino desenvolve uma capacidade ativa e passiva (masculina e feminina) e, com isso, aprende a também amar o pai e desejar o lugar da mãe como objeto de amor do pai (não é incomum vermos meninos começarem apegados às mães e posteriormente tentarem se identificar com os pais).

Nas meninas, Freud (1925) considera o processo um pouco mais complexo. Quando entram na fase fálica, diferentemente dos meninos que se envolvem na masturbação e se encaminham para o Complexo de Édipo, as meninas percebem que seu órgão sexual é diferente dos meninos, que é “inferior”; nesse momento, elas caem vítimas da inveja do pênis. No menino, a percepção da falta de pênis nas meninas causa estranheza, mas ele não se preocupa com isso até o momento que se vê diante do complexo de castração. A partir daí, ele poderá ter desprezo pelo feminino ou horror à condição. Já nas meninas, elas percebem desde o início que não possuem um pênis, mas desejam tê-lo. Esse desejo se torna uma ferida narcísica, e a cicatriz dessa ferida produz um sentimento de inferioridade.

Em um primeiro momento, ela acredita que essa falta é uma punição individual, depois ela percebe que a diferença é universal e passa a compartilhar com os homens um sentimento de desprezo pelas mulheres e o desejo de ser também um homem. Freud (1925) também associa a inveja do pênis ao ciúme, na medida em que o ciúme é o medo da perda do objeto de prazer, remetendo à masturbação e ao medo simbólico da castração. Pela falta do pênis, Freud conclui que as mulheres se encontram mais afastadas que os homens da masturbação, sendo o clitóris um local de eliminação parcial da libido. Esse afastamento auxilia as meninas a se afastarem das características masculinas e desenvolverem a feminilidade. A menina também diminui seu vínculo com a mãe, na medida em que essa mãe é considerada a responsável por ter produzido uma criança sem todos os atributos necessários, e na vida adulta a menina vai substituir o desejo do pênis pelo desejo de um filho, fazendo-a tomar, por fim, o pai como objeto de amor.

Portanto, Freud conclui que nas meninas o complexo de Édipo é uma formação secundária, pois “enquanto, nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração (Freud, 1925, p. 285). Além disso, enquanto nos homens o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração e substituído pelo superego, nas meninas Freud levanta que talvez o complexo de Édipo não seja de todo destruído, o que explicaria um senso de justiça e uma percepção sobre a ética diferente dos homens, e uma maior pessoalidade e vínculo emocional em comparação com o masculino. E considerando que tanto a formação masculina quando feminina são constructos teóricos, nada impede que parte dessas formações se dê tanto em homens quanto em mulheres.

NA PRÁTICA

A questão sobre como abordar o tema da sexualidade é antigo, e embora Freud tenha trazido essa discussão na época, ainda hoje ela é pertinente para os pais que são questionados por seus filhos, em algum momento, sobre sua origem, como trata a brincadeira abaixo:

Figura 1 – Origem dos bebês

Créditos: Tatyana Vyc/Shutterstock.

Figura 2 – Origem dos bebês

Créditos: Anna-Kharchenko/Shutterstock.

Figura 3 – Origem dos bebês

Créditos: ayelet-keshet/Shutterstock.

Para a experiência prática, trarei um pouco da minha própria experiência na maternidade. Meu filho mais velho tinha 2 anos e meio quando fiquei grávida novamente. Um pouco mais cedo que a idade de Hans quando sua mãe ficou grávida novamente. Lembro-me de que sua curiosidade era entender como o irmão tinha entrado ali, ele queria ver se alguém o tinha colocado ali, mas não conseguia entender como um bebê de tamanho normal poderia entrar dentro de mim. Ele me perguntava se eu havia engolido o bebê ou empurrado por baixo, mas ainda assim não entendia como poderia ter passado um bebê pela minha boca ou pela minha vagina, já que a cabeça dele não passava por nenhum dos dois buracos. Depois que explicamos como eram feitos um bebê, ele queria entender como o papai guardava os bebês, como ele os fazia, e depois quis entender como ele mesmo poderia fazer os dele.

Ambos os meus filhos, em diferentes momentos, também quiseram entender as diferenças sexuais entre homens e mulheres. Por um tempo, acreditavam que os pênis das mulheres ficavam escondidos dentro das vaginas, como nas tartarugas cujos pênis ficam escondidos dentro dos cascos. Depois, quiseram saber se o xixi e o cocô das mulheres saíam pelo mesmo lugar como nas aves, e depois quiseram entender se as meninas que conheciam ficariam como as mamães e os meninos, como os papais. Tive, mais recentemente, um grande desafio para explicar a questão de gênero para as crianças, pois eles queriam entender se casais homossexuais podiam fazer seus próprios filhos e se os homens trans podiam passar a engravidar.

Por fim, tive que explicar como vinham as crianças adotadas (disse meu filho em um momento: “papai não está aqui e eu aprendi na escola que para fazer um bebê precisa do papai e da mamãe. Como poderei ter um irmão sem ele aqui?”; em outro momento, ele viu uma criança com cor de pele diferente dos pais e dos irmãos e perguntou se era possível escolher como queria nascer), o que me deu um novo desafio para explicar sobre crianças adotadas, madrastas e padrastos. Infelizmente, esse tópico veio acompanhado das histórias infantis (pois ambos queriam saber se todas as madrastas eram malvadas como nos contos de fada). Também quiseram saber se podiam encomendar irmãos e pais pela internet, o que foi uma conversa divertida e que mostra o quanto as crianças se aprofundam para tentar entender esse tema, desde cedo.

FINALIZANDO

Nosso objetivo foi trazer de maneira detalhada a sequência dos estudos e publicações que foram feitas a partir dos “Três Ensaios”, emblemático para compreendermos o desenvolvimento psicossexual infantil e a formação sexual de homens e mulheres. Alguns dos tópicos trazidos hoje foram como se dão a neurose atual e as psiconeuroses na formação sexual infantil, a importância das fantasias de sedução, a característica intrínseca de todo ser humano de ter a perversão em sua constituição (o perverso-polimorfo). Também comentamos as principais dúvidas das crianças sobre a origem dos bebês, as diferenças entre homens e mulheres/entre o feminino e o masculino de todo ser vivo, a questão das pequenas mentiras contadas por adultos para esconder a questão sexual, como se dá a organização genital e como se forma o complexo de Édipo/complexo de castração em meninos e meninas, suas diferenças e semelhanças.

Esperamos que tenham aproveitado as discussões apresentadas aqui para conhecer um pouco mais das origens da psicanálise, e convidamos a todos a continuar acompanhando as aulas para saber mais sobre esse campo do saber tão envolvente como é a psicanálise.

REFERÊNCIAS

BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991.

FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (1886-1899) – livro VII e IX. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. v. 1; v.2; v. 3.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Continuação de estudos da clínica em Freud

 


         Formando em todo o seu desenvolvimento o método psicanalítico de forma clínica em que sempre Freud relatava que a clínica é soberana a teoria . A questão da cura na psicanálise é algo que não é o alvo do tratamento terapêutico psicanalítico.


   O método  psicanalítico de Freud é muito importante e a importância de se guardar pass ã passo da técnica psicanalitica de Freud da livre associação. Interpretação dos sonhos e chistes, onde vai ocorrendo a evolucão do tratamento.


Importância de fazer a divisão entre o psiquico e o orgânico


- Quanto maior o desprazer maior a resistência

- O recalque e o retorno do recalcado

- O orgânico segue existindo


A questão da resistência é importante de se tratar dentro da clínica , onde o paciente levantará imensas resistências que atrapalhariam a análise , entrando em contato com seus traumas e resistências infantis. O retorno do recalcado já é falado por Freud pois fala sobre o trauma mais livre a longo da infância do paciente e uma cronologia de quando esse trauma pode acontecer.


O orgânico segue existindo pois é importante ter em mente que nem tudo é psíquico, Freud diz isso pois na prática clínica de quem não é médico a anamnese e histórico cl;inico de família e informações para que o psicanalista tenha maior viabilidade em tratamento de alguns casos e o discernimento da angústia não psíquica.



Não se importar com a opinião alheia

  Não se importar com a opinião alheia é uma habilidade psicológica que pode ser treinada. Ela envolve três grandes áreas: autoestima, auto...