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quinta-feira, 15 de maio de 2025

A Formação do Analista e a Prática Clínica na Psicanálise

A formação do psicanalista é um caminho singular, profundo e, acima de tudo, experiencial. Diferentemente das formações tradicionais em saúde mental, como psicologia ou psiquiatria, a psicanálise possui uma trajetória formativa própria, pautada não apenas no conhecimento teórico, mas sobretudo na vivência subjetiva do próprio analista em formação.



A base da formação em psicanálise é sustentada por um tripé essencial:

  • Análise pessoal: NenhumpodeNenhum sujeito pode conduzir o outro em um processo analítico sem antes ter passado por sua própria travessia. A análise pessoal é a experiência do futuro analista em sua própria divã, enfrentando suas resistências, traumas e inconscientes. Como diria Lacan, o inconsciente é o discurso do Outro — e escutá-lo em si mesmo é o primeiro passo para poder escutá-lo no outro.

  • Supervisão clínica: A supervisão é o espaço de troca entre o analista em formação e um analista mais experiente. É ali que os casos clínicos são apresentados, ouvidos e atravessados ​​pela ética psicanalítica. A supervisão é um exercício de humildade e de escuta, onde se aprende não a “resolver problemas”, mas a sustentar perguntas.

  • Estudo teórico: A leitura atenta e contínua dos textos de Freud, Lacan e outros autores contemporâneos é fundamental. A sustenta teoria a prática, mas não a engessa. Em psicanálise, o saber não é dogmático — ele se construiu na escuta e no desejo de saber mais sobre o sujeito e seus modos de gozo.

O cenário analítico é um espaço privilegiado para que o sujeito fale livremente. A regra fundamental da associação livre cria as condições para que o inconsciente se manifeste. O analista, por sua vez, sustenta uma escuta flutuante, intervindo pontualmente — muitas vezes por meio de cortes, ocasiões e interpretações — para provocar deslocamentos no discurso do analisando.

É importante frisar que o analista não é um conselheiro, nem um solucionador de problemas.nãoSeu lugar é o de quem sustenta o enigma, de quem escuta o que não foi dito, de quem aposta na fala do sujeito e em sua capacidade de ressignificar suas experiências.



Ser analista é, acima de tudo, uma posição ética. Lacan nos lembra que a ética da psicanálise é a ética do desejo — não o desejo do analista, mas o desejo do sujeito, que se articula a partir de sua castração, de suas faltas e de seus traumas.

O analista deve estar avisado de seu lugar e de seu desejo, para não cair na armadilha de “salvar” o paciente ou de conduzi-lo para um ideal de normalidade. A escuta analítica respeita o tempo do sujeito, seus silêncios, suas repetições e, principalmente, sua singularidade.


A formação do analista nunca termina. Ela é contínua, atravessada por novas leituras, novas supervisões, novas análises. O analista está sempre se formando, porque está sempre se implicando — em cada escuta, em cada transferência, em cada afeto que emerge no consultório.

Se a clínica é a prática da escuta, a formação é a prática da escuta de si mesmo. Por isso, ser analista está em constante deslocamento, disposto a ser tocado, atravessado e, quem sabe, transformado pela fala do outro.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Neuropsicanálise: A Interseção entre Psicanálise e Neurociências

 

     A neuropsicanálise é um campo fascinante que une dois mundos aparentemente distintos: a psicanálise e as neurociências. Ao explorar as complexidades da mente humana, a neuropsicanálise busca entender como os processos neurobiológicos se entrelaçam com os aspectos psicológicos e emocionais da experiência humana.

Ao combinar os insights da psicanálise, que examina as profundezas do inconsciente e os padrões inconscientes de pensamento e comportamento, com as descobertas das neurociências, que investigam as bases neurais da cognição e emoção, a neuropsicanálise lança uma nova luz sobre questões antigas.

Por meio de técnicas como a ressonância magnética funcional (fMRI) e estudos de caso clínico, os neuropsicanalistas podem examinar como os processos mentais descritos por Freud, Jung e outros pioneiros da psicanálise se manifestam no cérebro humano. Isso nos permite entender melhor como os traumas, conflitos inconscientes e dinâmicas interpessoais influenciam a atividade cerebral e vice-versa.

No entanto, a neuropsicanálise não busca reduzir a complexidade da experiência humana a meros processos biológicos. Em vez disso, ela reconhece a interação dinâmica entre mente e cérebro, destacando como as experiências emocionais e relacionais moldam a plasticidade cerebral e a formação de novas conexões neurais.

Ao integrar essas duas perspectivas, a neuropsicanálise oferece uma abordagem mais holística e integrada para compreender a mente humana. Ela nos lembra que somos seres tanto biológicos quanto psicológicos, e que a verdadeira compreensão da mente requer uma apreciação profunda de ambas as dimensões.

domingo, 3 de março de 2024

O caso Miss Lucy R. é um caso clínico famoso apresentado por Sigmund Freud

 O caso Miss Lucy R. é um caso clínico famoso apresentado por Sigmund Freud em seu livro "Estudos sobre Histeria", escrito em colaboração com Josef Breuer.


 Neste caso, Freud descreve o tratamento de uma paciente chamada Lucy R., que sofria de histeria. 

Um fichamento analítico desse caso poderia abordar vários aspectos importantes. 


1. Resumo do Caso:

   - Apresentação breve da história e dos sintomas apresentados por Miss Lucy R., destacando sua principal queixa e os eventos que levaram à busca por tratamento.


2. Contexto Histórico e Teórico:



   - Exploração do contexto histórico em que o caso foi tratado, incluindo o desenvolvimento da psicanálise como uma disciplina emergente na época.

   - Discussão das teorias e conceitos psicanalíticos relevantes para a compreensão do caso, como a teoria do inconsciente, mecanismos de defesa e o papel dos eventos traumáticos na formação dos sintomas histéricos.


3. Descrição dos Sintomas e Sinais:

   - Detalhamento dos sintomas físicos e psicológicos apresentados por Miss Lucy R., incluindo paralisias, afonia, amnésia e outros sintomas somáticos e psíquicos.


4. Estratégias de Tratamento:

   - Análise das técnicas terapêuticas utilizadas por Freud e Breuer no tratamento de Miss Lucy R., incluindo a técnica da hipnose, a associação livre, a interpretação dos sonhos e a investigação da história da paciente.

   - Discussão sobre a importância do vínculo terapêutico na abordagem psicanalítica e sua influência no progresso do tratamento.


5. 


Análise Psicanalítica:



   



- Exploração das interpretações psicanalíticas dos sintomas de Miss Lucy R., buscando compreender os significados inconscientes por trás deles e sua relação com a história e as experiências da paciente.

  

 - Discussão sobre os insights teóricos e clínicos derivados do caso, incluindo contribuições para o desenvolvimento da teoria psicanalítica e insights sobre a natureza da histeria.







6.Conclusões e Reflexões:





   - Sumarização das principais descobertas e insights obtidos a partir da análise do caso Miss Lucy R.


   - Reflexões sobre a relevância contínua do caso para a prática clínica contemporânea e para o desenvolvimento da teoria psicanalítica.


Esse fichamento analítico oferece uma estrutura abrangente para explorar o caso de Miss Lucy R. sob uma perspectiva psicanalítica, destacando tanto os aspectos clínicos quanto os teóricos do caso.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Explorando o Inconsciente e o 'Outro do Outro' em Lacan

 No fascinante mundo da psicanálise, poucos conceitos são tão intrigantes quanto os de Jacques Lacan sobre o inconsciente e o "Outro do Outro". Lacan, um dos mais eminentes psicanalistas pós-freudianos, reimaginou o entendimento do inconsciente, trazendo novas camadas de complexidade e significado.

O Inconsciente Reinventado

Para começar, é essencial compreender como Lacan vê o inconsciente. Em contraste com a visão de Freud, para quem o inconsciente era o reservatório de desejos reprimidos e memórias escondidas, Lacan postula que o inconsciente está estruturado como uma linguagem. Isso significa que o inconsciente não é apenas um esconderijo de desejos, mas um campo ativo de signos e símbolos, onde o significado é constantemente deslocado e reconfigurado.

O Outro e o Outro do Outro

Central para o pensamento de Lacan é o conceito de "O Outro". Este termo refere-se ao domínio simbólico, a ordem social, a linguagem e as normas que nos moldam desde o nascimento. É no Outro que encontramos as leis, as estruturas da linguagem e os padrões culturais que definem nossa realidade.

No entanto, Lacan vai além, introduzindo a ideia do "Outro do Outro". Este conceito pode ser um tanto enigmático, mas em essência, refere-se à falta de um significado absoluto ou uma verdade definitiva no Outro. Em outras palavras, embora o Outro dite muitas das regras e estruturas em nossas vidas, ele próprio é inconsistente e incompleto. Não há uma autoridade final ou um significado absoluto a ser encontrado, mesmo nas estruturas mais fundamentais da sociedade e da linguagem.

Implicações para o Inconsciente

O que isso significa para o inconsciente? No modelo lacaniano, o inconsciente é profundamente afetado por essa falta no Outro. Nossos desejos, sonhos e palavras são moldados por uma estrutura que é, em si, falha e fluida. Isso nos leva a uma busca constante por um significado que nunca é totalmente alcançado, um desejo que nunca é completamente satisfeito.

Conclusão: Uma Jornada Sem Fim

A abordagem de Lacan ao inconsciente e ao "Outro do Outro" não oferece respostas fáceis ou confortáveis. Em vez disso, ela nos convida a aceitar a natureza fluida da realidade e do significado. Em nosso íntimo, somos seres em constante diálogo com um mundo que é tão enigmático quanto nós mesmos. Essa jornada pelo entendimento, embora sem fim, é o que continua a impulsionar a busca humana por autoconhecimento e compreensão.

sábado, 13 de janeiro de 2024

Introdução aos Conceitos Básicos da Psicanálise

 Introdução:

A psicanálise é uma teoria sobre a mente humana e um método de tratamento psicológico que foi pioneiramente desenvolvido por Sigmund Freud no final do século XIX e início do século XX. Esta abordagem revolucionária para entender a mente humana continua a influenciar a psicologia, a literatura, a arte e a cultura moderna.

Os Três Estados da Mente:

  1. O Inconsciente: O cerne da psicanálise é o conceito do inconsciente, que contém pensamentos, memórias e desejos dos quais não estamos diretamente cientes, mas que influenciam significativamente nosso comportamento e emoções.
  2. O Pré-consciente: Contém informações que não estão na mente consciente no momento, mas podem ser trazidas à consciência (lembranças acessíveis).
  3. O Consciente: Composto por tudo que estamos cientes em um dado momento - nossos pensamentos e percepções atuais.

Estrutura da Personalidade:

  • O Id: A parte primitiva da mente, regida pelo princípio do prazer, busca gratificação imediata de seus desejos e necessidades.
  • O Ego: Funciona segundo o princípio da realidade, equilibrando as demandas do id com as condições do mundo real.
  • O Superego: Representa os valores e normas morais internalizados, muitas vezes entrando em conflito com os desejos do id.

Mecanismos de Defesa:
A psicanálise também explora como usamos mecanismos de defesa para lidar com conflitos internos e estresse. Alguns desses mecanismos incluem repressão, negação, projeção e sublimação.

Técnicas da Psicanálise:

  • Associação Livre: Pacientes são encorajados a falar livremente sobre qualquer pensamento ou imagem que venha à mente, para revelar o conteúdo inconsciente de suas mentes.
  • Análise dos Sonhos: Sonhos são vistos como uma janela para o inconsciente, cheios de significados simbólicos.

Conclusão:
A psicanálise oferece uma visão profunda sobre a natureza hum

ana, revelando como os processos inconscientes moldam nossos pensamentos, emoções e comportamentos. Embora tenha evoluído ao longo do tempo e algumas de suas ideias tenham sido contestadas, ela continua a ser uma ferramenta valiosa para a compreensão do funcionamento interno da mente e para o tratamento de desordens psicológicas. A jornada para o autoconhecimento e a compreensão das profundezas da psique humana começa com esses conceitos fundamentais.

Encerramento:
A psicanálise é um campo vasto e complexo, com muitas camadas de interpretação e significado. Este post ofereceu apenas um vislumbre de seus conceitos básicos. Para aqueles interess

ados em explorar mais profundamente, há um vasto oceano de teorias, debates e aplicações práticas que aguardam. Seja você um estudante de psicologia, alguém em busca de autoconhecimento, ou simplesmente curioso sobre as profundezas da mente humana, a psicanálise oferece um caminho fascinante para a exploração.


segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Neuropsicanálise e a Jornada de Entendimento dos Sintomas de Angústia e Desprazer

 Em nossa incessante busca pelo entendimento da mente humana, a neuropsicanálise emerge como um campo fascinante que entrelaça as profundezas da psicanálise com os avanços da neurociência. No cerne desta interseção está o estudo de sintomas complexos que frequentemente nos afligem, como a angústia e o desprazer. Estes estados mentais, embora muitas vezes incômodos e perturbadores, são janelas para a compreensão de aspectos mais profundos da psique humana.

A angústia, um sentimento que todos nós experimentamos em algum momento de nossas vidas, é mais do que apenas uma emoção passageira. Ela é um indicador, um sinal de que algo em nosso inconsciente está buscando atenção. Neuropsicanaliticamente falando, a angústia pode ser vista como um conflito entre nossas necessidades primitivas e as demandas do mundo externo, um conflito esse que está profundamente enraizado em nossas redes neurais.

Por outro lado, o desprazer, frequentemente associado à tristeza ou à insatisfação, é igualmente significativo. Na perspectiva neuropsicanalítica, o desprazer não é apenas um estado emocional negativo, mas um mecanismo de defesa, uma forma de nosso cérebro nos alertar sobre desequilíbrios ou insatisfações. Este estado pode ser o resultado de uma dissonância entre nossos desejos inconscientes e nossa realidade consciente.

A investigação desses sintomas não é uma tarefa simples. Requer uma abordagem que combine o rigor científico da neurociência com as introspecções da psicanálise. Com as ferramentas fornecidas pela neuroimagem e outras tecnologias, estamos começando a desvendar como certos padrões de atividade cerebral estão ligados a estados psicológicos específicos. Ao mesmo tempo, a psicanálise nos oferece o framework necessário para interpretar esses dados à luz do inconsciente, dos processos mentais subjacentes, e dos mecanismos de defesa.

Por fim, é importante reconhecer que a angústia e o desprazer, embora desafiadores, são aspectos cruciais da experiência humana. Eles não apenas nos alertam para conflitos e desequilíbrios internos, mas também nos impulsionam em direção ao crescimento e à auto-compreensão. A neuropsicanálise, portanto, não é apenas um campo de estudo; é uma jornada para o autoconhecimento, uma ponte entre o que é visivelmente manifesto e o vasto, e muitas vezes oculto, território do nosso inconsciente.


sábado, 26 de agosto de 2023

Neuropsicanálise e introdução a neuropsicanálise

 A compreensão da personalidade humana é um dos enigmas mais complexos e fascinantes que a psicologia e a psicanálise buscam desvendar. Ao longo dos anos, diferentes teorias têm sido propostas para explicar como as características individuais se desenvolvem e se manifestam. A abordagem da neuropsicanálise emerge como uma ponte entre os insights da psicanálise e a compreensão da interação entre o cérebro e a mente.

A neuropsicanálise, um campo interdisciplinar emergente que combina princípios da psicanálise e da neurociência, oferece uma lente inovadora para explorar a formação da personalidade. Ela reconhece que a personalidade não é apenas moldada por processos psicológicos, mas também pela complexa interação entre os processos neurobiológicos e os aspectos inconscientes da mente. Ao examinar as conexões entre os aspectos emocionais, cognitivos e biológicos da experiência humana, a neuropsicanálise proporciona uma perspectiva única sobre como a personalidade é construída e expressa.

Esta pesquisa visa explorar a contribuição da neuropsicanálise na compreensão da formação da personalidade. Ao abordar as interações entre as dimensões neurais e psicológicas, busca-se identificar como os princípios psicanalíticos, combinados com os insights neurocientíficos, podem oferecer uma visão mais abrangente e profunda dos processos que moldam a personalidade única de cada indivíduo.

No decorrer deste trabalho, serão analisados conceitos fundamentais da psicanálise, como os estágios do desenvolvimento psicossexual e os mecanismos de defesa, à luz das descobertas da neurociência. Além disso, serão exploradas as contribuições da neuropsicanálise para a compreensão dos transtornos de personalidade e as implicações clínicas que emergem desse diálogo entre disciplinas.

Em última análise, a união entre psicanálise e neurociência abre um novo horizonte de possibilidades para explorar o intricado processo de formação da personalidade. Ao compreender como o cérebro e a mente trabalham em conjunto para dar origem às características individuais, pode-se lançar uma luz mais clara sobre a complexidade da experiência humana e fornecer insights valiosos para a prática clínica e o entendimento da natureza humana.

domingo, 6 de agosto de 2023

MECANISMOS DE DEFESA(uninter)

  

 

 

 

MECANISMOS DE DEFESA

AULA 1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Prof. Marcelo de Oliveira

CONVERSA INICIAL

O termo mecanismo é utilizado por Freud (1894/1996) para expressar o fato de que os fenômenos psíquicos apresentam articulações passíveis de observação e análise. Segundo o pai da psicanálise, a partir da forma como a defesa se expressa, é possível especificar a psiconeurose em questão; ou seja, a depender de como o ego busca se livrar de determinado sofrimento psíquico por meio das suas defesas, isso será determinante do tipo de afecção neurótica que poderá se constituir.

Os mecanismos de defesa são operações feitas pelo ego com o intuito de manter o funcionamento regular deste, ou seja, realizar e manter as experiências/vivências de prazer e evitar as de desprazer.

No entanto, as forças contra as quais o ego direciona esses mecanismos podem ser (e frequentemente são) mais fortes do que este. Ocorre, então, a ação dos mecanismos, porém sem completo sucesso, ou seja, eles defendem o ego dos impulsos indesejáveis, porém não completamente. E justamente pelos efeitos desse “mau” funcionamento é possível ter acesso e analisar os mecanismos de defesa e os elementos sob os quais eles agem.

Nesta etapa, vamos conhecer e compreender o funcionamento geral dos mecanismos de defesa do ego sob a perspectiva freudiana. É no trabalho intitulado As neuropsicoses de defesa (1894) que Freud apresenta pela primeira vez o resultado de suas observações sobre esse tema.

TEMA 1 – NEUROPSICOSES DE DEFESA, DE SIGMUND FREUD

Em As neuropsicoses de defesa (1894), Sigmund Freud apresenta o que seriam alguns resultados prévios de sua investigação clínica, que partiu da análise de pacientes que sofriam de obsessões e fobias. Ele entende que o que propõe nesse estudo pode ser estendido também à histeria, até mesmo acrescentando e modificando sua teoria a respeito desta.

O ponto central do qual parte Freud é a divisão da consciência entre o id e o ego e superego. Este é o primeiro momento da teoria freudiana que estabelece uma divisão entre dois sistemas (id e ego/superego), contudo vale ressaltar que ao longo do desenvolvimento dessa teoria essa divisão sofre importantes alterações e reorganizações teóricas. As mais relevantes são as conhecidas como a primeira tópica do aparelho psíquico e a segunda tópica do aparelho psíquico.

Freud contrapõe-se à posição sustentada por Pierre Janet de que a histeria seria derivada de uma deficiência da capacidade de síntese. Para Freud e Breuer, há uma semelhança entre a histeria e os estados da consciência durante o sonho, ou seja, a capacidade restrita de associação de ideias ou representações (Freud, 1894/1996).

Essas associações que surgiriam no sonho e de modo semelhante na histeria estariam, segundo os autores, excluídas da consciência. Formariam uma espécie de núcleo ou um condensado de representações que, devido à incompatibilidade com as representações da consciência (no estado de vigília), implicariam uma divisão secundária e adquirida da consciência.

Portanto, Freud e Breuer estariam de acordo com a hipótese de que a divisão da consciência seria secundária e adquirida, apresentando a seguinte classificação:

  • Síndrome da histeria – é caracterizada pela divisão da consciência acompanhada de grupos psíquicos separados. A divisão da consciência é secundária e adquirida: as representações que emergem nos estados hipnoides são excluídas da comunicação associativa.
  • Histeria de defesa – há uma “intenção” para que ocorra a divisão. A intenção não é a divisão da consciência, mas esta ocorre como efeito “colateral”, pois o sujeito objetiva afastar da consciência a representação impertinente.
  • Histeria de retenção – a divisão da consciência tem um papel insignificante. O que ocorre é uma falta de reação aos estímulos traumáticos e estes ficam retidos, impedidos de acesso à consciência, mas podem ser resolvidos por “ab-reação”, ou seja, incentivando que o conteúdo retido venha à tona na consciência para ser “esvaziado” de sua energia psíquica (Freud, 1894/1996).

Em todos esses casos, a hipótese é que houve uma incompatibilidade na vida representativa, ou seja, o eu se confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitou um afeto intensamente aflitivo, e diante disso o sujeito tenta evitar novo confronto com esses conteúdos por meio da divisão da consciência.

Essa divisão, ou também chamada como cisão da consciência, é o primeiro modelo explicativo (teórico) da teoria freudiana e que servirá de base para desenvolvimentos posteriores e modificações desta. Porém, a hipótese de uma cisão permanece (ainda que com algumas alterações) como uma das grandes descobertas freudianas a respeito do funcionamento psíquico.

É possível afirmar que esse é o paradigma freudiano: um sistema psíquico que é um todo (tal como um aparelho), porém com divisas entre os sistemas que o compõem. Essas divisas são consideradas a partir dos fenômenos clínicos que Freud observa em seus pacientes, e os mecanismos de defesa são a expressão desse aparelho psíquico que opera ao mesmo tempo como um conjunto e como uma reunião de subconjuntos, gerando o que mais tarde será reconhecido como as formações do inconsciente (sintomas, sonhos, lapsos de linguagem, chistes) e todas essas tributárias das defesas constituídas pela consciência.

TEMA 2 – A DIVISÃO DA CONSCIÊNCIA

Segundo Laplanche e Pontalis (1983, p. 137),

a consciência dos fenômenos psíquicos é também inseparável da percepção de qualidades: a consciência não é mais do que um órgão sensorial para a percepção das qualidades psíquicas. Ela percebe os estados de tensão pulsional e as descargas de excitação, sob a forma das qualidades desprazer-prazer. Mas o problema mais difícil é posto pela consciência daquilo a que Freud chama “processos de pensamento”, entendendo por isso quer a revivescência das recordações quer o raciocínio e, de um modo geral, todos os processos em que entrem em jogo representações.

A divisão da consciência ocorre segundo uma intenção do eu em afastar da consciência uma representação incompatível com as representações que aí estão presentes. Assim, pode-se compreender que para uma pessoa que se julga um bom funcionário, responsável e honesto, a ideia de sair antes do horário ou de “matar o tempo” no trabalho seria um exemplo de uma representação incompatível.

Em outro exemplo, uma pessoa que recebeu uma educação moral forte e rígida que a adverte e a repreende sobre pensamentos “impuros” durante seu momento de oração, ideias de cunho sexual devem ser afastadas imediatamente da consciência (em alguns casos não apenas durante esse momento, mas em todo e qualquer momento). Observa-se nesses casos a intenção do ego em afastar e/ou expulsar da consciência representações incompatíveis com esta.

Contudo, segundo a teoria freudiana, as representações incompatíveis, constituídas de traços mnêmicos e afetos a elas ligadas, não são passíveis de ser simplesmente ignoradas como se não existissem, elas permanecem com investimento de energia; portanto, a ação do eu sobre elas é de desinvestimento afetivo para torná-las mais fracas como representações. Desse modo, enfraquecidas não possuem força para produzir associações a outras representações.

O que nesse momento Freud sustenta como hipótese é que as representações chamadas fortes são aquelas que estão altamente investidas de energia psíquica, a qual é considerada sob a forma de afeto. Portanto, uma representação forte é uma representação investida com grande carga de afeto.

E o que seria uma grande carga de afeto? Isso pode ser traduzido no dia a dia da pessoa como ou uma emoção bem definida do tipo medo ou amor; todavia, também pode ocorrer ser afetada por uma sensação que não é bem definida ou clara para a própria pessoa que sente, nessas situações, em que via de regra geram mal-estar, o afeto é denominado angústia.

A relação com representações com altas cargas de afeto e a consciência é de que a consciência é responsável pela organização e orientação do movimento motor. Nos casos em que a representação e seu afeto são prazerosos à consciência, o movimento é de aproximação e, naqueles nos quais são desprazerosos, de afastamento.

Mas, e quando o desprazer é gerado por uma representação que tem origem não em um objeto externo, ou seja, quando não é uma imagem ou representante de uma situação ou de um objeto da realidade externa, mas se origina na própria realidade interna (por exemplo como uma ideia), como se afastar?

É mediante essa chave de compreensão que Freud admite o processo de cisão da consciência como um processo fundamental que estrutura os mecanismos de defesa, mas também fundamenta a própria noção de aparelho psíquico, um aparelho dividido entre sistemas consciente/pré-consciente e inconsciente. Importante lembrar que nesta etapa estamos estudando os movimentos iniciais da construção da teoria freudiana. Ao longo dos anos, Freud reelabora sua teoria acrescentando, mudando, retificando conceitos e mecanismos desse mesmo aparelho psíquico.

Portanto, a divisão da consciência que ocorre pela ação de afastar as representações incompatíveis não é em si um ato patológico. O que Freud observou e sustenta como hipótese de trabalho sobre as neuropsicoses de defesa é que essa divisão ocorreu, porém sem sucesso; ou seja manteve-se a divisão da consciência, e mesmo assim o sofrimento psíquico, que era o alvo a ser eliminado com a divisão, ainda permaneceu.

Nesses casos a falha em afastar a representação incompatível levou a reações patológicas que produziram histeria, ou obsessões ou psicoses alucinatórias. No caso das histerias, a quantidade de energia psíquica associada à representação geradora de mal-estar deve ser desvinculada desta, tornando-a uma representação fraca.

A quantidade de energia desvinculada toma outro destino, sendo então escoada pela via somática. É, portanto, convertida para uma expressão no corpo a quantidade de excitação (afeto) que estava vinculada a uma representação. Esse processo é conhecido como conversão.

TEMA 3 – CONVERSÃO

O sentido primordial do termo conversão é econômico: uma energia libidinal que se transforma, se converte, em inervação somática. A conversão é correlativa do desligar-se da energia psíquica (libido) da representação no processo da divisão da consciência. Essa energia desligada é, então, transposta para o corporal.

Na histeria, a representação incompatível é tornada inócua pela transformação de sua quantidade de excitação em uma expressão somática. Esse mecanismo de conversão pode ser parcial ou total.

Ela opera ao longo da linha de inervação motora ou sensorial relacionada – intimamente ou mais frouxamente – com a experiência traumática. Desse modo o ego consegue libertar-se da contradição com a qual é confrontado; em contrapartida, porém sobrecarrega-se com um símbolo mnêmico que se aloja na consciência como uma espécie de parasita, quer sob a forma de uma inervação motora insolúvel, quer como uma sensação alucinatória constantemente recorrente, que persiste até que ocorra uma conversão na direção oposta. Consequentemente, o traço mnêmico da ideia recalcada não é afinal, dissolvido; daí por diante, forma o núcleo de um segundo grupo psíquico. (Freud, 1894/1996, p. 28)

Esse núcleo segundo mantém um elo associativo com o primeiro núcleo de representações que gerou o processo. Eventualmente, quando uma nova impressão da mesma espécie desse núcleo primeiro chega à consciência há um aumento de quantidade de energia psíquica desse núcleo. Assim, o elo associativo com o núcleo segundo é também investido de energia. Nessas situações, o processo de conversão entrará em ação, promovendo outras vias de descarga motora, promovendo novos sintomas conversivos.

Esse modelo conversivo de distribuição de excitação, de aumento de quantidade de energia psíquica (afeto) é instável, isto é, não mantém necessariamente a mesma via somática; a instabilidade aqui se refere à produção de outras vias. Contudo, esse processo de somatização, mesmo que instável, conserva o vínculo com o núcleo representativo originário.

Devido a essa conservação de vínculo, Freud e Breuer sustentam a possibilidade de deliberadamente reconduzir a excitação escoada pela via somática até o núcleo originário por meio da fala; dessa maneira, produz a descarga de excitação pelo chamado processo catártico, ou seja, a quantidade de investimento psíquico é escoada pela fala enquanto esta mantiver o vínculo com a representação incompatível (Freud, 1894/1996).

Aqui, percebemos que o restabelecimento do vínculo antes transformado pela conversão é o caminho para o escoamento da tensão psíquica com o intuito de promover o enfraquecimento da representação incompatível tendo acesso à consciência; entretanto, a diferença nesses casos é que a via motora é por meio da fala. Importante perceber que a fala não é exclusivamente um ato mecânico ou somático, mas é acrescido da percepção à consciência das representações que anteriormente eram fontes de desprazer. Esse acesso à consciência por essa via retoma os elos associativos antes transformados, liberando as altas quantidades de excitação.

Freud, divergindo de Pierre Janet, destaca que nesses casos o preponderante da histeria não é a divisão da consciência; esta, aliás, é condição da estruturação do aparelho psíquico. O ponto prevalente na histeria é justamente a capacidade de conversão, “e podemos aduzir, como parte importante para a predisposição da histeria – predisposição ainda desconhecida em outros aspectos –, uma aptidão psicofísica para transpor enormes somas de excitação para a inervação somática” (Freud, 1894/1996, p. 5).

Quando mecanismo semelhante entra em ação, porém não escoando para a via somática, mas para outras representações que não são incompatíveis, temos o processo conhecido como representações obsessivas. Este é o nosso próximo tema a ser estudado.

TEMA 4 – REPRESENTAÇÕES OBSESSIVAS

Não havendo predisposição para a via de expressão somática (conversão), outra tentativa de solução do conflito psíquico observada por Freud é a conhecida por representações obsessivas. Nesses casos, com o objetivo de enfraquecer a representação incompatível com a consciência, o afeto a ela ligado permanece na esfera psíquica, porém vinculado a outras representações que não são incompatíveis.

A representação, agora enfraquecida, persiste ainda na consciência, separada de qualquer associação. Mas seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa “falsa ligação”, tais representações se transformam em representações obsessivas. (Freud, 1894/1996, p. 6)

A falsa ligação tem por objetivo falsear a “verdadeira” ligação do afeto à representação incompatível. Essa representação agora esvaziada de afeto tem acesso à consciência, mas desvinculada de outras representações e de sua carga afetiva; surge agora para a consciência como uma representação sem sentido.

Por outro lado, as representações investidas de afeto pelas falsas ligações são constituídas como representações obsessivas, pois tomam grande parte da atenção da consciência. Segundo a teoria freudiana, as representações obsessivas constituídas pelas falsas ligações têm em geral a mesma natureza que a representação originária, ou seja, são advindas da vida sexual do sujeito. Para Freud, entende-se facilmente por que a vida sexual traz em si as mais numerosas oportunidades para o surgimento de representações incompatíveis, pois com frequência estão submetidas à regulação moral e social e pouco suscetíveis à descarga imediata de seus impulsos.

As representações secundárias, correlacionadas pelas falsas ligações, apresentam qualidades dos afetos semelhantes às da representação incompatível. Assim, Freud (1894/1996, p. 7) verifica que com certa frequência

a angústia liberada cuja origem sexual não deve ser lembrada irá apoderar-se das fobias primárias comuns da espécie humana relacionadas com animais, tempestade, escuridão, e assim por diante, ou de coisas inequivocamente associadas, de um modo ou de outro, com o que é sexual – tais como a micção, a defecação ou, de um modo geral, a sujeira e o contágio.

TEMA 5 – REJEIÇÃO

A rejeição é uma espécie de defesa mais enérgica e bem-sucedida; o eu rejeita a representação incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a representação nunca tivesse ocorrido. Segundo Laplanche e Pontalis (1983, p. 574), “O ego separa-se da representação insuportável, mas esta representação está indissoluvelmente ligada a um fragmento da realidade e, realizando esta ação, o ego separou-se também totalmente ou parcialmente da realidade”.

Freud (1894/1996) explica que, ao separar-se da realidade, o ego estabelece a condição sob a qual as representações recebem a vivacidade das alucinações. Essa defesa, ao chegar a seu termo, leva o sujeito a uma confusão alucinatória. O exemplo apresentado por ele é o de uma mãe que adoece pela perda de seu bebê e que em rejeição a esse fato toma em seus braços um pedaço de madeira (ou qualquer outro objeto) para embalar como se fosse um bebê (Freud, 1894/1996).

Este exemplifica a rejeição da realidade, melhor dizendo, da representação da realidade, e com isso investindo fortemente nas representações as quais receberão a potência do impacto da realidade, e dessa forma sendo constituídas como alucinações.

NA PRÁTICA

Na prática, sobre a histeria e seu mecanismo de defesa observam-se a conversão, fenômenos como dores, paralisias ou contraturas. Membros ou determinadas regiões do corpo recebem a carga de excitação que foi desviada da representação incompatível.

De acordo com a teoria freudiana, a incompatibilidade da representação em geral tem cunho sexual, sendo necessário grande esforço psíquico para efetivar a conversão. Isso se deve ao fato de que o conteúdo sexual tem grande apelo psíquico, seja por mobilizar cargas importantes de excitação, seja por mobilizar representações (ideias) altamente investidas de conteúdo moral. Portanto, é possível verificar em um sujeito submetido a consideráveis pressões morais a maior probabilidade desse mecanismo de defesa, a conversão.

Quanto às representações obsessivas, Freud traz como exemplo o relato do paciente de acordo com as seguintes palavras: “certa vez me aconteceu uma coisa muito desagradável e tentei com muito empenho afastá-la de mim e não pensar mais nisso. Finalmente, consegui, mas aí me apareceu esta outra coisa, de que não pude livrar-me desde então” (Freud, 1894/1996, p. 6).

Nas fobias e obsessões, toda alteração permanece na esfera psíquica (diferentemente do que ocorre na conversão). Para ilustrar, Freud apresenta o caso de uma jovem que sofria de autorrecriminações obsessivas, e quando se deparava com alguma notícia de falsificadores de moedas lhe ocorria a ideia de que também produzira dinheiro falso; se um assassinato tivesse sido noticiado com o desconhecimento do autor, logo se perguntava se não teria sido ela a autora da ação.

Ao mesmo tempo que se queixava dessas ideações, estava completamente consciente do disparate de tais acusações obsessivas. Contudo, uma investigação mais detalhada revelou a Freud a fonte de onde brotava o sentimento de culpa. “Estimulada por uma sensação voluptuosa casual, ela se deixara induzir por uma amiga a se masturbar, e praticara a masturbação durante anos, inteiramente consciente de sua má ação, que era acompanhada das mais violentas embora inúteis, autorrecriminações” (Freud, 1894/1996, p. 8).

Uma outra moça sofria de um pavor de ser dominada pela necessidade de urinar e de ser incapaz de evitar molhar-se, desde a ocasião em que uma necessidade desse tipo de fato a obrigara sair de um salão de concerto durante a apresentação. Pouco a pouco, essa fobia a deixara completamente incapaz de se divertir ou de frequentar a sociedade. Só se sentia bem ao saber que havia um toalete próximo e acessível, que ela poderia atingir discretamente. Não havia sombra de nenhuma enfermidade orgânica que pudesse justificar essa desconfiança em seu poder de controlar a bexiga; quando ela estava em casa, em condições tranquilas, ou à noite, a necessidade de urinar não assomava. Um exame detalhado mostrou que a necessidade ocorrera primeiramente nas seguintes circunstâncias: no salão de concerto, um cavalheiro ao qual ela não era indiferente tomara assento não longe dela. A moça começou a pensar nele e a imaginar-se sentada ao seu lado, como sua esposa. Durante este devaneio erótico, teve a sensação corporal que é comparável a ereção masculina e que no caso dela – não sei se é sempre assim –, terminava com uma leve necessidade de urinar. Ficou então muito aterrorizada pela sensação sexual (à qual estava normalmente acostumada), pois tomara a resolução interna de combater aquela preferência específica, assim como qualquer outra que pudesse sentir; no momento seguinte, o afeto se transferira para a necessidade concomitante de urinar e a compelira, depois de agoniada luta, a deixar o recinto. Em sua vida corriqueira, ela era tão pudica que experimentava intenso horror por qualquer coisa relaciona a sexo e não podia contemplar a ideia de vir a casar-se um dia. Por outro lado era tão hiperestésica sexualmente que, durante qualquer devaneio erótico, ao qual se abandonava prontamente, a mesma sensação voluptuosa aparecia. Em todas as ocasiões a ereção era acompanhada pela necessidade de urinar, embora sem produzir-lhe qualquer impressão até a cena no salão de concerto. O tratamento levou-a a um controle quase completo de sua fobia. (Freud, 1894/1996, p. 8)

Esses dois exemplos demonstram como a ligação entre representações incompatíveis produzem falsas ligações, e o tratamento visa restabelecer o afeto percebido como indesejável com a representação originária.

No último caso apresentado, o mecanismo da rejeição é o que tem maior impacto na vida psíquica do sujeito. Produzindo, pelo intenso investimento de energia psíquica na representação substitutiva, ocorre uma ruptura com a representação da realidade externa a qual o sujeito busca evitar.

No exemplo freudiano, a paciente havia dirigido seu interesse afetivo a um homem e acreditava que este lhe retribuía o amor. Mas, de fato, estava enganada; o rapaz visitava sua casa por outros motivos. As decepções que a moça sofreu foram muitas. No princípio, ela se defendeu, fazendo uma conversão histérica e, assim, preservando a crença de que um dia ele iria pedir-lhe em casamento.

Contudo, sentia-se ainda infeliz e doente porque a conversão foi incompleta, deparando-se assim continuamente com impressões dolorosas. Por fim, em um estado de grande tensão, em determinado dia, aguardava a chegada dele, mas o dia passou e ele não apareceu. Ao perceber que não havia mais a possibilidade de ele aparecer naquele dia, entrou em um estado de confusão alucinatória: ele havia chegado, ela ouviu sua voz no jardim, descendo às pressas de camisola para recebê-lo.

Desse dia em diante, ao longo de dois meses, ela viveu um “sonho” cujo conteúdo era que ele estava presente, ao seu lado, e que tudo voltara a ser como antes (antes da época das decepções que ela rechaçara com tanto empenho). Durante o tempo em que a enfermidade estava mais forte, ela silenciou sobre todo o período de dúvida e sofrimento. Explodia de ódio quando algo ou alguém vinha atrapalhar ou perturbar seu “abençoado sonho”.

O processo envolvido no exemplo descrito acima deve ser encarado, segundo Freud, como uma predisposição patológica de grau bastante alto, pois a representação incompatível à consciência fica inseparavelmente ligada a um fragmento da realidade. À medida que o eu obtém esse resultado, também ele se desliga total ou parcialmente da realidade, daí, então, a força das representações alucinatórias como compensação da exclusão da representação da realidade externa.

FINALIZANDO

Freud começa por recordar que foram as dificuldades e os limites encontrados na aplicação do método catártico que o incitaram a buscar meios mais eficazes para trazer à tona as lembranças patogênicas e a explorar novas técnicas. Tal como era aplicado, o tratamento catártico levava muito tempo e exigia total confiança no médico por parte do paciente para que a hipnose tivesse êxito. Porém, nem todos os pacientes tinham o mesmo grau de confiança.

Em vez de desanimar, Freud superou esse obstáculo encontrando um meio de permitir ao paciente recuperar suas lembranças patogênicas sem a hipnose. Notara que, deitando o paciente e lhe pedindo que fechasse os olhos e se concentrasse, e insistindo repetidamente, conseguia que surgissem novas lembranças. Mas, dado que esse procedimento ainda exigia muitos esforços e os resultados demoravam a aparecer, ele pensou que isso talvez fosse sinal de uma “resistência” vinda do paciente. Cabia ao médico superar esses novos obstáculos que travavam a emergência dessas representações. Destarte, Freud dirige suas investigações sobre os modos de defesa e os tipos de patologias que seriam advindas dessa defesa.

Os três métodos de defesa descritos nesta etapa, a saber, a divisão da consciência – conversão, as representações obsessivas e a rejeição, e juntamente com esses mecanismos a formas patológicas – histeria, obsessão e fobia, psicose – podem estar combinados em uma mesma pessoa, segundo a teoria psicanalítica freudiana. Na prática clínica, não raras vezes há o aparecimento simultâneo de fobias e sintomas histéricos, dificultando a separação nítida entre histeria e as outras neuroses.

No primeiro trabalho de Freud abordado nesta etapa – Neuropsicoses de defesa (1894) –, ele toma como base para sua hipótese o conceito de que nas funções mentais deve-se distinguir, como uma carga de afeto ou soma de excitação, algo que possui todas as características de uma quantidade, embora sem ter como medi-la.

Isso que possui as características de uma quantidade pode ser aumentada, diminuída, deslocada, descarregada podendo até se espalhar sobre os traços mnêmicos das representações como uma carga elétrica distribuída sobre a superfície do corpo. Essa hipótese de trabalho já está subjacente à teoria freudiana da ab-reação e pode ser compreendida no mesmo sentido que os físicos aplicam a hipótese de um fluxo de energia elétrica.

Ou seja, é possível perceber nitidamente o embasamento epistemológico freudiano, nesse início de sua teoria, dentro do quadro das chamadas ciências naturais, mesmo sem poder verificar suas hipóteses com toda a objetividade requerida por essas ciências.

Mais uma vez, é importante ressaltar que nesta etapa sobre os mecanismos de defesa estudamos os trabalhos freudianos do início de sua carreira. Ao longo de sua trajetória há modificações importantes em sua teoria e também na base epistêmica de seus conceitos, isto é, admitindo cada vez mais elementos constitutivos das chamadas ciências humanas.

Isso ocorre principalmente nos trabalhos em que ele investiga os elementos linguísticos presentes no psiquismo, bem como naqueles conhecidos como os textos sociológicos de Freud, nos quais investiga a interface entre sujeito e cultura, ou o ego e a psicologia das massas.

Entretanto, apesar desses desenvolvimentos e desdobramentos teóricos, a hipótese de um psiquismo dividido sempre estará presente e, como tal, a função dos mecanismos de defesa permanecerá sendo um referencial importante tanto para a teoria quanto para a prática clínica da psicanálise.

Por fim, vale a pena citar que dois anos após As neuropsicoses de defesa (1894), Freud publica outro trabalho intitulado Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa (1896) no qual se verifica um detalhamento dos mecanismos abordados no primeiro trabalho, acrescentando uma afirmação sobre a origem traumática das defesas: que o evento traumático está associado a uma experiência de cunho sexual derivada da sedução da criança por um adulto. Além disso, o evento traumático efetivo sempre ocorreria antes da puberdade, embora a irrupção da neurose ocorresse após essa fase. Essa hipótese, anos mais tarde, foi abandonada por ele, dando lugar a uma construção teórica mais consistente e explicativa sobre a importância que a fantasia desempenha nos eventos mentais, o que abriu as portas para a descoberta da sexualidade infantil e do complexo de édipo.

REFERÊNCIAS

BERGERET, J. Personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

FREUD, S. Edição Standard das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Fundamentos da clínica psicanalítica. São Paulo: Autêntica, 2017.

FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. L. Vocabulário de psicanálise. Tradução de Pedro Tamen. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

QUINODOZ, J-M. Ler Freud. Porto Alegre: Artmed, 2007.

ZIMERMAN, D. E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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