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domingo, 6 de agosto de 2023

MECANISMOS DE DEFESA(uninter)

  

 

 

 

MECANISMOS DE DEFESA

AULA 1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Prof. Marcelo de Oliveira

CONVERSA INICIAL

O termo mecanismo é utilizado por Freud (1894/1996) para expressar o fato de que os fenômenos psíquicos apresentam articulações passíveis de observação e análise. Segundo o pai da psicanálise, a partir da forma como a defesa se expressa, é possível especificar a psiconeurose em questão; ou seja, a depender de como o ego busca se livrar de determinado sofrimento psíquico por meio das suas defesas, isso será determinante do tipo de afecção neurótica que poderá se constituir.

Os mecanismos de defesa são operações feitas pelo ego com o intuito de manter o funcionamento regular deste, ou seja, realizar e manter as experiências/vivências de prazer e evitar as de desprazer.

No entanto, as forças contra as quais o ego direciona esses mecanismos podem ser (e frequentemente são) mais fortes do que este. Ocorre, então, a ação dos mecanismos, porém sem completo sucesso, ou seja, eles defendem o ego dos impulsos indesejáveis, porém não completamente. E justamente pelos efeitos desse “mau” funcionamento é possível ter acesso e analisar os mecanismos de defesa e os elementos sob os quais eles agem.

Nesta etapa, vamos conhecer e compreender o funcionamento geral dos mecanismos de defesa do ego sob a perspectiva freudiana. É no trabalho intitulado As neuropsicoses de defesa (1894) que Freud apresenta pela primeira vez o resultado de suas observações sobre esse tema.

TEMA 1 – NEUROPSICOSES DE DEFESA, DE SIGMUND FREUD

Em As neuropsicoses de defesa (1894), Sigmund Freud apresenta o que seriam alguns resultados prévios de sua investigação clínica, que partiu da análise de pacientes que sofriam de obsessões e fobias. Ele entende que o que propõe nesse estudo pode ser estendido também à histeria, até mesmo acrescentando e modificando sua teoria a respeito desta.

O ponto central do qual parte Freud é a divisão da consciência entre o id e o ego e superego. Este é o primeiro momento da teoria freudiana que estabelece uma divisão entre dois sistemas (id e ego/superego), contudo vale ressaltar que ao longo do desenvolvimento dessa teoria essa divisão sofre importantes alterações e reorganizações teóricas. As mais relevantes são as conhecidas como a primeira tópica do aparelho psíquico e a segunda tópica do aparelho psíquico.

Freud contrapõe-se à posição sustentada por Pierre Janet de que a histeria seria derivada de uma deficiência da capacidade de síntese. Para Freud e Breuer, há uma semelhança entre a histeria e os estados da consciência durante o sonho, ou seja, a capacidade restrita de associação de ideias ou representações (Freud, 1894/1996).

Essas associações que surgiriam no sonho e de modo semelhante na histeria estariam, segundo os autores, excluídas da consciência. Formariam uma espécie de núcleo ou um condensado de representações que, devido à incompatibilidade com as representações da consciência (no estado de vigília), implicariam uma divisão secundária e adquirida da consciência.

Portanto, Freud e Breuer estariam de acordo com a hipótese de que a divisão da consciência seria secundária e adquirida, apresentando a seguinte classificação:

  • Síndrome da histeria – é caracterizada pela divisão da consciência acompanhada de grupos psíquicos separados. A divisão da consciência é secundária e adquirida: as representações que emergem nos estados hipnoides são excluídas da comunicação associativa.
  • Histeria de defesa – há uma “intenção” para que ocorra a divisão. A intenção não é a divisão da consciência, mas esta ocorre como efeito “colateral”, pois o sujeito objetiva afastar da consciência a representação impertinente.
  • Histeria de retenção – a divisão da consciência tem um papel insignificante. O que ocorre é uma falta de reação aos estímulos traumáticos e estes ficam retidos, impedidos de acesso à consciência, mas podem ser resolvidos por “ab-reação”, ou seja, incentivando que o conteúdo retido venha à tona na consciência para ser “esvaziado” de sua energia psíquica (Freud, 1894/1996).

Em todos esses casos, a hipótese é que houve uma incompatibilidade na vida representativa, ou seja, o eu se confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitou um afeto intensamente aflitivo, e diante disso o sujeito tenta evitar novo confronto com esses conteúdos por meio da divisão da consciência.

Essa divisão, ou também chamada como cisão da consciência, é o primeiro modelo explicativo (teórico) da teoria freudiana e que servirá de base para desenvolvimentos posteriores e modificações desta. Porém, a hipótese de uma cisão permanece (ainda que com algumas alterações) como uma das grandes descobertas freudianas a respeito do funcionamento psíquico.

É possível afirmar que esse é o paradigma freudiano: um sistema psíquico que é um todo (tal como um aparelho), porém com divisas entre os sistemas que o compõem. Essas divisas são consideradas a partir dos fenômenos clínicos que Freud observa em seus pacientes, e os mecanismos de defesa são a expressão desse aparelho psíquico que opera ao mesmo tempo como um conjunto e como uma reunião de subconjuntos, gerando o que mais tarde será reconhecido como as formações do inconsciente (sintomas, sonhos, lapsos de linguagem, chistes) e todas essas tributárias das defesas constituídas pela consciência.

TEMA 2 – A DIVISÃO DA CONSCIÊNCIA

Segundo Laplanche e Pontalis (1983, p. 137),

a consciência dos fenômenos psíquicos é também inseparável da percepção de qualidades: a consciência não é mais do que um órgão sensorial para a percepção das qualidades psíquicas. Ela percebe os estados de tensão pulsional e as descargas de excitação, sob a forma das qualidades desprazer-prazer. Mas o problema mais difícil é posto pela consciência daquilo a que Freud chama “processos de pensamento”, entendendo por isso quer a revivescência das recordações quer o raciocínio e, de um modo geral, todos os processos em que entrem em jogo representações.

A divisão da consciência ocorre segundo uma intenção do eu em afastar da consciência uma representação incompatível com as representações que aí estão presentes. Assim, pode-se compreender que para uma pessoa que se julga um bom funcionário, responsável e honesto, a ideia de sair antes do horário ou de “matar o tempo” no trabalho seria um exemplo de uma representação incompatível.

Em outro exemplo, uma pessoa que recebeu uma educação moral forte e rígida que a adverte e a repreende sobre pensamentos “impuros” durante seu momento de oração, ideias de cunho sexual devem ser afastadas imediatamente da consciência (em alguns casos não apenas durante esse momento, mas em todo e qualquer momento). Observa-se nesses casos a intenção do ego em afastar e/ou expulsar da consciência representações incompatíveis com esta.

Contudo, segundo a teoria freudiana, as representações incompatíveis, constituídas de traços mnêmicos e afetos a elas ligadas, não são passíveis de ser simplesmente ignoradas como se não existissem, elas permanecem com investimento de energia; portanto, a ação do eu sobre elas é de desinvestimento afetivo para torná-las mais fracas como representações. Desse modo, enfraquecidas não possuem força para produzir associações a outras representações.

O que nesse momento Freud sustenta como hipótese é que as representações chamadas fortes são aquelas que estão altamente investidas de energia psíquica, a qual é considerada sob a forma de afeto. Portanto, uma representação forte é uma representação investida com grande carga de afeto.

E o que seria uma grande carga de afeto? Isso pode ser traduzido no dia a dia da pessoa como ou uma emoção bem definida do tipo medo ou amor; todavia, também pode ocorrer ser afetada por uma sensação que não é bem definida ou clara para a própria pessoa que sente, nessas situações, em que via de regra geram mal-estar, o afeto é denominado angústia.

A relação com representações com altas cargas de afeto e a consciência é de que a consciência é responsável pela organização e orientação do movimento motor. Nos casos em que a representação e seu afeto são prazerosos à consciência, o movimento é de aproximação e, naqueles nos quais são desprazerosos, de afastamento.

Mas, e quando o desprazer é gerado por uma representação que tem origem não em um objeto externo, ou seja, quando não é uma imagem ou representante de uma situação ou de um objeto da realidade externa, mas se origina na própria realidade interna (por exemplo como uma ideia), como se afastar?

É mediante essa chave de compreensão que Freud admite o processo de cisão da consciência como um processo fundamental que estrutura os mecanismos de defesa, mas também fundamenta a própria noção de aparelho psíquico, um aparelho dividido entre sistemas consciente/pré-consciente e inconsciente. Importante lembrar que nesta etapa estamos estudando os movimentos iniciais da construção da teoria freudiana. Ao longo dos anos, Freud reelabora sua teoria acrescentando, mudando, retificando conceitos e mecanismos desse mesmo aparelho psíquico.

Portanto, a divisão da consciência que ocorre pela ação de afastar as representações incompatíveis não é em si um ato patológico. O que Freud observou e sustenta como hipótese de trabalho sobre as neuropsicoses de defesa é que essa divisão ocorreu, porém sem sucesso; ou seja manteve-se a divisão da consciência, e mesmo assim o sofrimento psíquico, que era o alvo a ser eliminado com a divisão, ainda permaneceu.

Nesses casos a falha em afastar a representação incompatível levou a reações patológicas que produziram histeria, ou obsessões ou psicoses alucinatórias. No caso das histerias, a quantidade de energia psíquica associada à representação geradora de mal-estar deve ser desvinculada desta, tornando-a uma representação fraca.

A quantidade de energia desvinculada toma outro destino, sendo então escoada pela via somática. É, portanto, convertida para uma expressão no corpo a quantidade de excitação (afeto) que estava vinculada a uma representação. Esse processo é conhecido como conversão.

TEMA 3 – CONVERSÃO

O sentido primordial do termo conversão é econômico: uma energia libidinal que se transforma, se converte, em inervação somática. A conversão é correlativa do desligar-se da energia psíquica (libido) da representação no processo da divisão da consciência. Essa energia desligada é, então, transposta para o corporal.

Na histeria, a representação incompatível é tornada inócua pela transformação de sua quantidade de excitação em uma expressão somática. Esse mecanismo de conversão pode ser parcial ou total.

Ela opera ao longo da linha de inervação motora ou sensorial relacionada – intimamente ou mais frouxamente – com a experiência traumática. Desse modo o ego consegue libertar-se da contradição com a qual é confrontado; em contrapartida, porém sobrecarrega-se com um símbolo mnêmico que se aloja na consciência como uma espécie de parasita, quer sob a forma de uma inervação motora insolúvel, quer como uma sensação alucinatória constantemente recorrente, que persiste até que ocorra uma conversão na direção oposta. Consequentemente, o traço mnêmico da ideia recalcada não é afinal, dissolvido; daí por diante, forma o núcleo de um segundo grupo psíquico. (Freud, 1894/1996, p. 28)

Esse núcleo segundo mantém um elo associativo com o primeiro núcleo de representações que gerou o processo. Eventualmente, quando uma nova impressão da mesma espécie desse núcleo primeiro chega à consciência há um aumento de quantidade de energia psíquica desse núcleo. Assim, o elo associativo com o núcleo segundo é também investido de energia. Nessas situações, o processo de conversão entrará em ação, promovendo outras vias de descarga motora, promovendo novos sintomas conversivos.

Esse modelo conversivo de distribuição de excitação, de aumento de quantidade de energia psíquica (afeto) é instável, isto é, não mantém necessariamente a mesma via somática; a instabilidade aqui se refere à produção de outras vias. Contudo, esse processo de somatização, mesmo que instável, conserva o vínculo com o núcleo representativo originário.

Devido a essa conservação de vínculo, Freud e Breuer sustentam a possibilidade de deliberadamente reconduzir a excitação escoada pela via somática até o núcleo originário por meio da fala; dessa maneira, produz a descarga de excitação pelo chamado processo catártico, ou seja, a quantidade de investimento psíquico é escoada pela fala enquanto esta mantiver o vínculo com a representação incompatível (Freud, 1894/1996).

Aqui, percebemos que o restabelecimento do vínculo antes transformado pela conversão é o caminho para o escoamento da tensão psíquica com o intuito de promover o enfraquecimento da representação incompatível tendo acesso à consciência; entretanto, a diferença nesses casos é que a via motora é por meio da fala. Importante perceber que a fala não é exclusivamente um ato mecânico ou somático, mas é acrescido da percepção à consciência das representações que anteriormente eram fontes de desprazer. Esse acesso à consciência por essa via retoma os elos associativos antes transformados, liberando as altas quantidades de excitação.

Freud, divergindo de Pierre Janet, destaca que nesses casos o preponderante da histeria não é a divisão da consciência; esta, aliás, é condição da estruturação do aparelho psíquico. O ponto prevalente na histeria é justamente a capacidade de conversão, “e podemos aduzir, como parte importante para a predisposição da histeria – predisposição ainda desconhecida em outros aspectos –, uma aptidão psicofísica para transpor enormes somas de excitação para a inervação somática” (Freud, 1894/1996, p. 5).

Quando mecanismo semelhante entra em ação, porém não escoando para a via somática, mas para outras representações que não são incompatíveis, temos o processo conhecido como representações obsessivas. Este é o nosso próximo tema a ser estudado.

TEMA 4 – REPRESENTAÇÕES OBSESSIVAS

Não havendo predisposição para a via de expressão somática (conversão), outra tentativa de solução do conflito psíquico observada por Freud é a conhecida por representações obsessivas. Nesses casos, com o objetivo de enfraquecer a representação incompatível com a consciência, o afeto a ela ligado permanece na esfera psíquica, porém vinculado a outras representações que não são incompatíveis.

A representação, agora enfraquecida, persiste ainda na consciência, separada de qualquer associação. Mas seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa “falsa ligação”, tais representações se transformam em representações obsessivas. (Freud, 1894/1996, p. 6)

A falsa ligação tem por objetivo falsear a “verdadeira” ligação do afeto à representação incompatível. Essa representação agora esvaziada de afeto tem acesso à consciência, mas desvinculada de outras representações e de sua carga afetiva; surge agora para a consciência como uma representação sem sentido.

Por outro lado, as representações investidas de afeto pelas falsas ligações são constituídas como representações obsessivas, pois tomam grande parte da atenção da consciência. Segundo a teoria freudiana, as representações obsessivas constituídas pelas falsas ligações têm em geral a mesma natureza que a representação originária, ou seja, são advindas da vida sexual do sujeito. Para Freud, entende-se facilmente por que a vida sexual traz em si as mais numerosas oportunidades para o surgimento de representações incompatíveis, pois com frequência estão submetidas à regulação moral e social e pouco suscetíveis à descarga imediata de seus impulsos.

As representações secundárias, correlacionadas pelas falsas ligações, apresentam qualidades dos afetos semelhantes às da representação incompatível. Assim, Freud (1894/1996, p. 7) verifica que com certa frequência

a angústia liberada cuja origem sexual não deve ser lembrada irá apoderar-se das fobias primárias comuns da espécie humana relacionadas com animais, tempestade, escuridão, e assim por diante, ou de coisas inequivocamente associadas, de um modo ou de outro, com o que é sexual – tais como a micção, a defecação ou, de um modo geral, a sujeira e o contágio.

TEMA 5 – REJEIÇÃO

A rejeição é uma espécie de defesa mais enérgica e bem-sucedida; o eu rejeita a representação incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a representação nunca tivesse ocorrido. Segundo Laplanche e Pontalis (1983, p. 574), “O ego separa-se da representação insuportável, mas esta representação está indissoluvelmente ligada a um fragmento da realidade e, realizando esta ação, o ego separou-se também totalmente ou parcialmente da realidade”.

Freud (1894/1996) explica que, ao separar-se da realidade, o ego estabelece a condição sob a qual as representações recebem a vivacidade das alucinações. Essa defesa, ao chegar a seu termo, leva o sujeito a uma confusão alucinatória. O exemplo apresentado por ele é o de uma mãe que adoece pela perda de seu bebê e que em rejeição a esse fato toma em seus braços um pedaço de madeira (ou qualquer outro objeto) para embalar como se fosse um bebê (Freud, 1894/1996).

Este exemplifica a rejeição da realidade, melhor dizendo, da representação da realidade, e com isso investindo fortemente nas representações as quais receberão a potência do impacto da realidade, e dessa forma sendo constituídas como alucinações.

NA PRÁTICA

Na prática, sobre a histeria e seu mecanismo de defesa observam-se a conversão, fenômenos como dores, paralisias ou contraturas. Membros ou determinadas regiões do corpo recebem a carga de excitação que foi desviada da representação incompatível.

De acordo com a teoria freudiana, a incompatibilidade da representação em geral tem cunho sexual, sendo necessário grande esforço psíquico para efetivar a conversão. Isso se deve ao fato de que o conteúdo sexual tem grande apelo psíquico, seja por mobilizar cargas importantes de excitação, seja por mobilizar representações (ideias) altamente investidas de conteúdo moral. Portanto, é possível verificar em um sujeito submetido a consideráveis pressões morais a maior probabilidade desse mecanismo de defesa, a conversão.

Quanto às representações obsessivas, Freud traz como exemplo o relato do paciente de acordo com as seguintes palavras: “certa vez me aconteceu uma coisa muito desagradável e tentei com muito empenho afastá-la de mim e não pensar mais nisso. Finalmente, consegui, mas aí me apareceu esta outra coisa, de que não pude livrar-me desde então” (Freud, 1894/1996, p. 6).

Nas fobias e obsessões, toda alteração permanece na esfera psíquica (diferentemente do que ocorre na conversão). Para ilustrar, Freud apresenta o caso de uma jovem que sofria de autorrecriminações obsessivas, e quando se deparava com alguma notícia de falsificadores de moedas lhe ocorria a ideia de que também produzira dinheiro falso; se um assassinato tivesse sido noticiado com o desconhecimento do autor, logo se perguntava se não teria sido ela a autora da ação.

Ao mesmo tempo que se queixava dessas ideações, estava completamente consciente do disparate de tais acusações obsessivas. Contudo, uma investigação mais detalhada revelou a Freud a fonte de onde brotava o sentimento de culpa. “Estimulada por uma sensação voluptuosa casual, ela se deixara induzir por uma amiga a se masturbar, e praticara a masturbação durante anos, inteiramente consciente de sua má ação, que era acompanhada das mais violentas embora inúteis, autorrecriminações” (Freud, 1894/1996, p. 8).

Uma outra moça sofria de um pavor de ser dominada pela necessidade de urinar e de ser incapaz de evitar molhar-se, desde a ocasião em que uma necessidade desse tipo de fato a obrigara sair de um salão de concerto durante a apresentação. Pouco a pouco, essa fobia a deixara completamente incapaz de se divertir ou de frequentar a sociedade. Só se sentia bem ao saber que havia um toalete próximo e acessível, que ela poderia atingir discretamente. Não havia sombra de nenhuma enfermidade orgânica que pudesse justificar essa desconfiança em seu poder de controlar a bexiga; quando ela estava em casa, em condições tranquilas, ou à noite, a necessidade de urinar não assomava. Um exame detalhado mostrou que a necessidade ocorrera primeiramente nas seguintes circunstâncias: no salão de concerto, um cavalheiro ao qual ela não era indiferente tomara assento não longe dela. A moça começou a pensar nele e a imaginar-se sentada ao seu lado, como sua esposa. Durante este devaneio erótico, teve a sensação corporal que é comparável a ereção masculina e que no caso dela – não sei se é sempre assim –, terminava com uma leve necessidade de urinar. Ficou então muito aterrorizada pela sensação sexual (à qual estava normalmente acostumada), pois tomara a resolução interna de combater aquela preferência específica, assim como qualquer outra que pudesse sentir; no momento seguinte, o afeto se transferira para a necessidade concomitante de urinar e a compelira, depois de agoniada luta, a deixar o recinto. Em sua vida corriqueira, ela era tão pudica que experimentava intenso horror por qualquer coisa relaciona a sexo e não podia contemplar a ideia de vir a casar-se um dia. Por outro lado era tão hiperestésica sexualmente que, durante qualquer devaneio erótico, ao qual se abandonava prontamente, a mesma sensação voluptuosa aparecia. Em todas as ocasiões a ereção era acompanhada pela necessidade de urinar, embora sem produzir-lhe qualquer impressão até a cena no salão de concerto. O tratamento levou-a a um controle quase completo de sua fobia. (Freud, 1894/1996, p. 8)

Esses dois exemplos demonstram como a ligação entre representações incompatíveis produzem falsas ligações, e o tratamento visa restabelecer o afeto percebido como indesejável com a representação originária.

No último caso apresentado, o mecanismo da rejeição é o que tem maior impacto na vida psíquica do sujeito. Produzindo, pelo intenso investimento de energia psíquica na representação substitutiva, ocorre uma ruptura com a representação da realidade externa a qual o sujeito busca evitar.

No exemplo freudiano, a paciente havia dirigido seu interesse afetivo a um homem e acreditava que este lhe retribuía o amor. Mas, de fato, estava enganada; o rapaz visitava sua casa por outros motivos. As decepções que a moça sofreu foram muitas. No princípio, ela se defendeu, fazendo uma conversão histérica e, assim, preservando a crença de que um dia ele iria pedir-lhe em casamento.

Contudo, sentia-se ainda infeliz e doente porque a conversão foi incompleta, deparando-se assim continuamente com impressões dolorosas. Por fim, em um estado de grande tensão, em determinado dia, aguardava a chegada dele, mas o dia passou e ele não apareceu. Ao perceber que não havia mais a possibilidade de ele aparecer naquele dia, entrou em um estado de confusão alucinatória: ele havia chegado, ela ouviu sua voz no jardim, descendo às pressas de camisola para recebê-lo.

Desse dia em diante, ao longo de dois meses, ela viveu um “sonho” cujo conteúdo era que ele estava presente, ao seu lado, e que tudo voltara a ser como antes (antes da época das decepções que ela rechaçara com tanto empenho). Durante o tempo em que a enfermidade estava mais forte, ela silenciou sobre todo o período de dúvida e sofrimento. Explodia de ódio quando algo ou alguém vinha atrapalhar ou perturbar seu “abençoado sonho”.

O processo envolvido no exemplo descrito acima deve ser encarado, segundo Freud, como uma predisposição patológica de grau bastante alto, pois a representação incompatível à consciência fica inseparavelmente ligada a um fragmento da realidade. À medida que o eu obtém esse resultado, também ele se desliga total ou parcialmente da realidade, daí, então, a força das representações alucinatórias como compensação da exclusão da representação da realidade externa.

FINALIZANDO

Freud começa por recordar que foram as dificuldades e os limites encontrados na aplicação do método catártico que o incitaram a buscar meios mais eficazes para trazer à tona as lembranças patogênicas e a explorar novas técnicas. Tal como era aplicado, o tratamento catártico levava muito tempo e exigia total confiança no médico por parte do paciente para que a hipnose tivesse êxito. Porém, nem todos os pacientes tinham o mesmo grau de confiança.

Em vez de desanimar, Freud superou esse obstáculo encontrando um meio de permitir ao paciente recuperar suas lembranças patogênicas sem a hipnose. Notara que, deitando o paciente e lhe pedindo que fechasse os olhos e se concentrasse, e insistindo repetidamente, conseguia que surgissem novas lembranças. Mas, dado que esse procedimento ainda exigia muitos esforços e os resultados demoravam a aparecer, ele pensou que isso talvez fosse sinal de uma “resistência” vinda do paciente. Cabia ao médico superar esses novos obstáculos que travavam a emergência dessas representações. Destarte, Freud dirige suas investigações sobre os modos de defesa e os tipos de patologias que seriam advindas dessa defesa.

Os três métodos de defesa descritos nesta etapa, a saber, a divisão da consciência – conversão, as representações obsessivas e a rejeição, e juntamente com esses mecanismos a formas patológicas – histeria, obsessão e fobia, psicose – podem estar combinados em uma mesma pessoa, segundo a teoria psicanalítica freudiana. Na prática clínica, não raras vezes há o aparecimento simultâneo de fobias e sintomas histéricos, dificultando a separação nítida entre histeria e as outras neuroses.

No primeiro trabalho de Freud abordado nesta etapa – Neuropsicoses de defesa (1894) –, ele toma como base para sua hipótese o conceito de que nas funções mentais deve-se distinguir, como uma carga de afeto ou soma de excitação, algo que possui todas as características de uma quantidade, embora sem ter como medi-la.

Isso que possui as características de uma quantidade pode ser aumentada, diminuída, deslocada, descarregada podendo até se espalhar sobre os traços mnêmicos das representações como uma carga elétrica distribuída sobre a superfície do corpo. Essa hipótese de trabalho já está subjacente à teoria freudiana da ab-reação e pode ser compreendida no mesmo sentido que os físicos aplicam a hipótese de um fluxo de energia elétrica.

Ou seja, é possível perceber nitidamente o embasamento epistemológico freudiano, nesse início de sua teoria, dentro do quadro das chamadas ciências naturais, mesmo sem poder verificar suas hipóteses com toda a objetividade requerida por essas ciências.

Mais uma vez, é importante ressaltar que nesta etapa sobre os mecanismos de defesa estudamos os trabalhos freudianos do início de sua carreira. Ao longo de sua trajetória há modificações importantes em sua teoria e também na base epistêmica de seus conceitos, isto é, admitindo cada vez mais elementos constitutivos das chamadas ciências humanas.

Isso ocorre principalmente nos trabalhos em que ele investiga os elementos linguísticos presentes no psiquismo, bem como naqueles conhecidos como os textos sociológicos de Freud, nos quais investiga a interface entre sujeito e cultura, ou o ego e a psicologia das massas.

Entretanto, apesar desses desenvolvimentos e desdobramentos teóricos, a hipótese de um psiquismo dividido sempre estará presente e, como tal, a função dos mecanismos de defesa permanecerá sendo um referencial importante tanto para a teoria quanto para a prática clínica da psicanálise.

Por fim, vale a pena citar que dois anos após As neuropsicoses de defesa (1894), Freud publica outro trabalho intitulado Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa (1896) no qual se verifica um detalhamento dos mecanismos abordados no primeiro trabalho, acrescentando uma afirmação sobre a origem traumática das defesas: que o evento traumático está associado a uma experiência de cunho sexual derivada da sedução da criança por um adulto. Além disso, o evento traumático efetivo sempre ocorreria antes da puberdade, embora a irrupção da neurose ocorresse após essa fase. Essa hipótese, anos mais tarde, foi abandonada por ele, dando lugar a uma construção teórica mais consistente e explicativa sobre a importância que a fantasia desempenha nos eventos mentais, o que abriu as portas para a descoberta da sexualidade infantil e do complexo de édipo.

REFERÊNCIAS

BERGERET, J. Personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

FREUD, S. Edição Standard das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Fundamentos da clínica psicanalítica. São Paulo: Autêntica, 2017.

FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. L. Vocabulário de psicanálise. Tradução de Pedro Tamen. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

QUINODOZ, J-M. Ler Freud. Porto Alegre: Artmed, 2007.

ZIMERMAN, D. E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

MECANISMOS DE DEFESA AULA 2 (un- mdd 1s un)

 

 

 

 

MECANISMOS DE DEFESA

AULA 2

 

 

 

 

 

 

 

 

Prof. Marcelo de Oliveira

CONVERSA INICIAL

O recalque é na teoria freudiana um dos pilares da sua edificação teórica. Embasando a hipótese de um aparelho psíquico dividido e, como tal, apresenta produções específicas derivadas desta cisão estrutural.

Foi como um fato clínico que o recalcamento se impôs a Freud, desde seus primeiros pacientes diagnosticados com histeria. Ele observara que estes pacientes não tinham à sua disposição certas recordações. Verificou que haviam conteúdos ideativos que o paciente queria esquecer e que, intencionalmente, buscava manter fora de seu pensamento consciente.

Em seu início a teoria do recalque é considerada como correlativa ao inconsciente, ou seja, eram de início tomados como sinônimos. A compreensão era de que os conteúdos submetidos ao recalque escapavam ao domínio do sujeito e, como um grupo psíquico separado era regido por leis próprias – o chamado processo primário.

O recalque é uma condição, uma ação, direcionada a certas representações e seus derivados em que estes são impedidos de acesso à consciência. Impondo-se como uma resistência à ação destes conteúdos é necessário um exame mais detalhado de sua ação, uma vez que Freud (1915) analisa a questão da seguinte maneira:

a possibilidade de existência de um recalque não é fácil de deduzir teoricamente. Por que uma moção pulsional sucumbiria a tal destino? Aparentemente, a condição necessária para isso seria que ao atingir a meta pulsional se produzisse desprazer ao invés de prazer. Todavia, é difícil conceber algo assim, pulsões deste tipo não existem, uma satisfação pulsional sempre é prazerosa. Nesse caso, então, precisaríamos supor circunstâncias especiais, algum tipo de processo pelo qual um prazer obtido a partir da satisfação de uma pulsão fosse transformado em desprazer. (Freud, 2004 (1915), p. 177)

Há três fases possíveis no processamento do recalque: o recalque originário; o recalque propriamente dito; e o retorno do recalcado. Iremos estudá- los nesta etapa, bem como certos detalhes deste dispositivo que tem um lugar central na teoria das defesas e na estruturação do aparelho psíquico.

TEMA 1  RECALQUE ORIGINAL

Como mencionado, é necessário certas condições para que o recalque entre em ação, pois a satisfação de uma pulsão sendo sempre prazerosa, o que justificaria a ação desta defesa chamada recalque?

A resposta a esta questão é que a pulsão submetida ao recalque se fosse realizada produziria prazer em um lugar e desprazer em outro. Concluindo-se, portanto, que para que este mecanismo de defesa possa operar é necessário haver previamente uma separação entre a atividade psíquica consciente e a atividade psíquica inconsciente.

Assim, compreende-se que a pulsão recalcada foi submetida a esta defesa porque a sua realização produziria a satisfação no inconsciente, mas seria incompatível com os conteúdos da consciência, gerando, então, neste sistema, uma quantidade de desprazer consideravelmente maior que a quantidade de prazer que produziria se chegasse a seu termo.

O recalque original consiste na primeira fase do recalque. Nesta fase o representante da pulsão é impedido de acessar a consciência. Com este impedimento é estabelecida uma fixação entre este representante que foi impedido e a pulsão representada, permanecendo ambos fora da consciência no inconsciente.

Esta pulsão permanece tencionando, buscando seu escoamento por meio da consciência para obter o alívio da pressão, por uma descarga de energia, pela ação motora. Com esta pressão represada pelo recalque, a representação recalcada produz ligação com outros representantes, promovendo uma cadeia associativa entre estes conteúdos representacionais.

Esta representações associadas são também direcionadas para o acesso à consciência, porém sofrem o mesmo processo que o representante original. A este processo de recalque dos conteúdos associados chama-se recalque propriamente dito.

Assim, não apenas a representação original é alvo da defesa do recalque, mas também os substitutos desta representação. Diante desta hipótese é que se propõe a associação livre como método de tratamento que visa fazer emergir o conteúdo que está sob o recalque à consciência e, assim, aliviar a pressão produzida para se apresentar neste sistema, traduzindo esta pressão pulsional como fala. Possibilitando a realização da pulsão agora elaborada pela sua expressão simbólica (fala) no campo da consciência e, se for o caso, na efetivação de uma ação mecânica possível.

TEMA 2  O REACALQUE E SUA FORÇA DE ATRAÇÃO

A teoria freudiana ressalta que tão importante quanto o movimento de repulsão que atua a partir do consciente sobre o conteúdo recalcado é considerar o poder de atração que o recalcado original mantém e exerce sobre tudo o que consegue estabelecer conexão.

O recalque, ainda que consiga afastar da consciência a representação incompatível, não impede que este representante pulsional continue existindo no inconsciente e continue se organizando na formação de novos derivados, e com estes estabelecendo ligações associativas.

O representante pulsional, uma vez que está afastado da consciência, se desenvolve de forma mais desimpedida e com maior riqueza. Ou seja, ele continua a proliferar-se em representações substitutivas, buscando uma brecha, uma falha no recalque para poder ter acesso à consciência.

Quando estes substitutos se afastam suficientemente do representante recalcado, seja pela incorporação de deformações, seja pela interpolação de certa quantidade de elos intermediários, o acesso à consciência é permitido.

Durante a prática da técnica psicanalítica, solicitamos continuamente ao paciente que produza as representações derivadas de recalcado que possam, em decorrência de sua distância ou de seu deformação, passar livremente pela censura do consciente. As ideias espontâneas que requeremos do paciente, solicitando-lhe que renuncie a qualquer ideia intencionalmente almejada e a toda crítica, nada mais são do que tais representações derivadas afastadas e distorcidas. É a partir delas que podemos reconstituir uma tradução consciente do representante recalcado. Observamos, assim, que o paciente é capaz de produzir devaneios percorrendo uma cadeia de ideias espontâneas desse gênero até o momento em que se depara com um grupo de pensamento cuja relação com o recalcado se manifesta tão intensamente que ele se  obrigado a voltar a repetir a tentativa do recalque. De modo análogo, os sintomas neuróticos devem ter preenchido as mesmas condições descritas acima, pois eles são os derivados do recalcado que, por meio dessas formações sintomáticas, afinal conquistaram o acesso à consciência que antes lhes era negado. (Freud, 2004 (1915), p. 180)

O recalque trabalha de modo individual, ou seja, cada representação derivada isolada tem um destino específico. Devido ao grau de deformação ou de distanciamento da representação originária, uma e outra representação podem ter destinos diversos. Uma pode vir a ter acesso à consciência e outra não, por exemplo.

Outra característica a ser ressaltada do recalque é que ele é altamente móvel. Isto é, ao contrário do que se poderia imaginar, que o recalque fosse um evento único e de efeito permanente, ele é altamente dinâmico, necessitando um investimento contínuo de força. Caso este investimento de força para que o recalque se mantenha ativo venha a ser interrompido, ele não funcionará a contento e deverá ser novamente investido de força para conseguir realizar a sua ação de defesa.

Diante desta pressão intermitente que o conteúdo recalcado exerce para ser admitido à consciência, o recalque necessita sustentar continuamente uma força na direção oposta, ou seja, uma contrapressão ao conteúdo recalcado para manter sua função e seu objetivo.

Portanto, a manutenção de um recalque pressupõe um dispêndio de força constante, ao passo que a suspensão do recalque significa, em termos econômicos, poupar esse dispêndio de força. Aliás, a mobilidade do recalque expressa-se também nas características psíquicas do estado de sono que possibilitam a formação onírica. Com o despertar, as cargas de investimento do recalque, que haviam sido recolhidas, são enviadas de novo. (Freud, 2007 (1915), p. 181)

Os sonhos seriam, portanto, a expressão das representações que durante o estado de vigília permanecem sob o recalque. Observamos, então, que se uma representação derivada não possui investimento de energia suficiente, fica mantida afastada da consciência, mas se obtiver uma quantidade maior de investimento poderá suplantar a força recalcante. Conclui-se que no estado de vigília, quando estamos acordados, via de regra, o recalque está sendo continuamente investido de energia psíquica para manter sob sua pressão os conteúdos incompatíveis à consciência. Enquanto que, durante o sono, a consciência tem seu investimento energético diminuído e, portanto, o recalque também, possibilitando a condição para que os conteúdos que estavam excluídos da consciência possam vir aí então se apresentar, na forma onírica, ou seja, como sonhos.

Destacamos nesta dinâmica do aparelho psíquico o fator quantitativo em funcionamento para o exercício, ou não, do recalque. Este é o nosso próximo assunto.

TEMA 3  O FATOR QUANTITATIVO

O fator quantitativo trata do aspecto econômico da teoria freudiana. Na elaboração da sua metapsicologia, Freud destaca três aspectos do aparelho psíquico, ou seja, três registros que estão em funcionamento simultâneo, por vezes suas metas e objetivos coincidem e em outras vezes não. As três dimensões do aparelho psíquico, de acordo com a metapsicologia, são:

  • Econômico;
  • Dinâmico;
  • Topográfico.

O aspecto econômico, como dito anteriormente, é relativo às quantidades de energia, cargas e investimento. Quanto maior a carga de afeto, mais pressão uma representação poderá exercer.

O aspecto dinâmico é relativo aos fluxos, aos caminhos e direções percorridas pelas forças e cargas de afeto. A dinâmica do recalque impõe às representações recalcadas um dinamismo em suas cargas de investimento para que busquem caminhos, se desloquem, percorram conexões e associações para encontrar um ponto de recalque com menor investimento de energia, e assim poder suplantá-lo.

E o aspecto topográfico delimita as regiões ou sistemas do aparelho psíquico. Cada sistema tem um funcionamento específico, por exemplo, no inconsciente o funcionamento deste sistema é regido pelo processo primário, ou seja, há um livre escoamento de energia psíquica entre as representações. As cargas energéticas deslocam-se com grande facilidade de uma representação à outra. Estes aspectos compõem a chamada metapsicologia freudiana.

O fator quantitativo é decisivo para o conflito, assim quando uma representação incompatível ou repulsiva é fortalecida além de certo nível, o conflito se atualiza, e é justamente sua ativação que traz a reboque o recalque.

Estas observações nos levam a perceber que em paralelo à representação há um outro elemento que também representa a pulsão,

para esse outro elemento do representante psíquico tem sido adotada a designação de quantidade de afeto; ele corresponde à pulsão na medida em que se desprendeu da representação e encontra expressão, de acordo com sua magnitude, em processos que se fazem perceber à sensação na forma de afetos. (Freud, 2007, [1915], p. 182)

 diferentes destinos possíveis do representante pulsional devido a este fator quantitativo, a saber, pode haver uma total exclusão do representante pulsional; ou surgir como um afeto mais determinado, ou é transformado em angústia.

Estes dois últimos destinos são particularmente estudados na teoria freudiana, pois tratam da transformação das energias psíquicas das pulsões em afetos e, de um modo mais especial, na transformação em angústia.

Garcia-Roza (1997) ressalta que do ponto de vista econômico é mais importante o destino do afeto ligado a um representante ideativo recalcado do que o destino do representante propriamente dito. Posto que, a parte quantitativa da pulsão só se exprime em afetos, surgindo por este motivo a possibilidade, pelo mecanismo do recalcamento, mantermos no inconsciente o representante ideativo da pulsão, mas não sermos capazes de impedir o desprazer que resulta da carga de afeto que estava ligada a ele.

Ora, se o motivo e o propósito do recalque era tão somente a evitação do desprazer, o destino da quantidade de afeto é o aspecto mais importante e decisivo para uma análise do processo do recalque. Pode-se afirmar que se um recalque não conseguiu impedir que surjam sensações de desprazer ou de angústia ele fracassou, ainda que tenha mantido afastado da consciência seu representante ideativo.

Diante deste fracasso é que se produz a terceira fase do processo do recalque chamada o retorno do recalcado. É um processo derivado do recalque mas que não se confunde com ele, pois tem uma organização diferente na formação de elementos substitutos, ou sintomas. E que surgirão a partir dos elementos representativos da pulsão que não submergiram ao recalque.

Partindo deste processo de retorno do recalcado que Freud vai analisar os diferentes destinos do representante ideativo e do afeto por meio de três quadros clínicos: a neurose de angústia, a histeria de conversão e a neurose obsessiva.

TEMA 4  O RECALQUE NA HISTERIA

Na histeria de conversão o processo de recalcamento é em geral bem sucedido, na medida em que consegue provocar o desaparecimento total do afeto. Ainda que no lugar do afeto desaparecido surjam sintomas que produzem também desprazer, contudo, em geral, estes não são acompanhados de angústia.

O conteúdo representacional foi expulso da consciência por completo, mas no lugar deste surge na histeria de conversão como formação substituta e, ao mesmo tempo como sintoma, uma inervação ultraforte, somática, podendo ser ou de natureza sensória (sensação) ou de natureza motora (movimento).

Esta inervação pode surgir como excitação ou inibição, ou seja, a pessoa pode sentir em determinada região do corpo uma sensação que lhe parece ser específica, ou estranha, mas não havendo aparentemente nenhuma explicação razoável (do ponto de vista orgânico) para que esta tenha surgido. Ou ainda, por meio da excitação ou inibição do movimento, em que uma parte do corpo se mantenha inerte mesmo com a intenção de movê-la, as conhecidas paralisias que chamou inicialmente a atenção de Freud e que lhe despertou o interesse pela investigação do inconsciente.

Freud (1915) considera que o recalque da histeria fracassa por completo, pois só é viável à custa de um grande número de formações substitutivas, sintomas. Entretanto, se se observar pela quantidade de afeto eliminada, esta sim sua tarefa principal, ele obteve sucesso. Aliviando em alguma medida a pressão realizada pelo representante pulsional. Por fim, o processo de recalque da histeria de conversão encerra-se com a formação de um sintoma, neste caso, conversivo.

Uma conversão bem sucedida é, pois, uma garantia de ausência de ansiedade, já que provoca o desaparecimento completo da quota de afeto. No caso de o recalcamento não ser bem feito, os sintomas podem ser acompanhados de ansiedade, o que provoca a formação de um mecanismo fóbico para evitar o desprazer. No entanto, na histeria de conversão processo de recalcamento geralmente se completa com a formação do sintoma, não havendo necessidade de outros mecanismos complementares. (Garcia-Roza, 1997, p. 165)

TEMA 5  O RECALQUE NA NEUROSE OBSESSIVA

Há um pressuposto que afirma que na neurose obsessiva há uma regressão, por intermédio do qual um desejo sádico entrou no lugar de um desejo amoroso. Esta regressão se refere a um período de ambivalência na constituição do objeto amoroso, em que o mesmo objeto é alvo de impulsos hostis e impulsos amorosos.

Por conta desta ambivalência pode não ser claro se o representante que está submetido ao recalque é o anseio amoroso ou o anseio hostil, pois na neurose obsessiva o recalcamento inicialmente é eficaz, substituindo por deslocamento o representante ideativo e com isso fazendo desaparecer o afeto. Porém, este sucesso tende a se dissipar com o tempo, revelando uma falha no processo de recalcamento.

A partir de então, há o processamento de uma formação reativa ao representante que logrou escapar da ação do recalque. A ambivalência que possibilitou a ocorrência do recalque pela formação reativa é o mesmo ponto em que possibilita o retorno do recalcado vir à tona. O afeto desaparecido retorna transformado em medo social, em medo da própria consciência moral e na forma de uma repreensão impiedosa. A representação rechaçada é com frequência substituída por meio de um deslocamento para algo menor, ou indiferente, portanto, ocorre uma substituição por deslocamento.

Em geral, na neurose obsessiva, há uma forte tendência a restaurar a representação recalcada de forma completa e intacta. O fracasso do fator quantitativo, afetivo, que ocorre no recalque, põe em jogo o mesmo mecanismo de fuga por evitações e proibições ao qual é possível de encontrar também na formação da fobia histérica.

A representação, contudo, é rechaçada do consciente e mantida obstinadamente afastada, pois com esse afastamento se logra o travamento motor do impulso, ou seja, efetua-se o impedimento da ação. Assim, o trabalho de recalque na neurose obsessiva resulta numa luta sem êxito e sem fim. Permanecendo o sujeito num constante e fatigante trabalho de “ir e vir”, devido à ambivalência que se apresenta como característica marcante deste quadro clínico.

NA PRÁTICA

Partindo da teoria do recalque é possível compreender como a associação livre pode lograr êxito como método de tratamento. No convite realizado ao paciente para que fale livremente, evitando qualquer tipo de julgamento sobre o que diz, o analista está advertido sobre o processo do recalque, seu funcionamento e suas características.

O analista, conhecendo a hipótese freudiana, sabe que o recalque opera na representação individualmente e dinamicamente, ou seja, a fala despretensiosa é o escoamento livre de energia psíquica por meio dos representantes que a compõem.

Na medida em que o recalque se realiza sobre um representante os demais que o substituem podem ser recebidos à consciência, contudo, mantendo certa distância e deformação em relação ao representante incompatível.

As chamadas psiconeuroses de defesa – histeria, fobia, neurose obsessiva – são resultantes do processo falível do recalque. Cada uma destas psiconeuroses apresenta uma forma de reagir ao retorno do recalcado, ou seja, os substitutos e sintomas advindos do recalque propriamente dito.

O objetivo de uma análise, de acordo com a teoria freudiana, não é fortalecer o recalque para que este seja infalível. Posto que é o recalque também um fato de estrutura, seu modo de operação não é o objetivo da análise. Mas sim, a elaboração dos conteúdos que sob o recalque permanecem.

Nestes casos, a elaboração se refere à possibilidade de reconhecimento na consciência dos representantes pulsionais reprimidos, mesmo que distorcidos ou afastados do representante original. A partir deste reconhecimento, que se dá pela fala, compreendendo esta como a via motriz e simbólica por excelência, o dispêndio de energia para manter o recalque é amenizado, bem como o desprazer da representação pulsional, que se dilui no processo analítico.

FINALIZANDO

Foi ao se defrontar com o fenômeno clínico da resistência e ao empreender a superação da teoria do trauma que Freud foi levado a produzir o conceito de recalcamento. A teoria do trauma admitia que as manifestações neuróticas seriam decorrentes de um trauma psíquico sofrido na infância e provocado por uma acontecimento em face do qual o indivíduo não teria tido condições de realizar a ab-reação.

Assim, impossibilitado de se defender do acontecimento de uma forma normal, o indivíduo empreenderia uma defesa patológica. O objetivo do procedimento hipnótico seria, neste caso, possibilitar a revivência da experiência traumática e a consequente ab-reação do afeto ligado a ela.

Quando Freud abandona a hipnose e solicita aos seus pacientes que procurem se lembrar do fato traumático sem o auxílio deste recurso, ele passa se defrontar com um fato novo que era inteiramente ocultado pelo próprio método que empregava: a resistência por parte do paciente que se manifestava como falha de memória ou de incapacidade de falar sobre o tema.

Essa resistência foi interpretada por ele como o sinal externo de uma defesa que teria por finalidade manter fora da consciência a ideia ameaçadora. A defesa era a censura exercida pelo ego sobre a ideia ou conjunto de ideias que despertavam sentimentos de vergonha e de dor.

O que constitui a defesa é, portanto, a impossibilidade de uma conciliação entre uma representação ou grupo de representações e o ego, o qual se transforma em agente da operação defensiva.

Freud define o recalcamento como o processo cuja essência consiste no fato de afastar determinada representação do consciente. O objeto do recalcamento não é a pulsão propriamente dita, mas um de seus representantes, no caso, o representante ideativo (Garcia-Roza, 1997, p.153).

REFERÊNCIAS




FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Trad. Luiz Alberto Hans. Rio de Janeiro: Imago, 2004.

FREUD, S. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos. São Paulo: Companhia das letras, 2010.

FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: JZE, 1997.

LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. Tradução Pedro Tamen. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 







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