quarta-feira, 28 de junho de 2023

TEMA 3 – PROJETO PARA UMA PSICOLOGIA CIENTÍFICA (PARTE I)

 O texto sobre o Projeto é, na verdade, um rascunho cuja intenção foi apresentar duas ideias: 1) que o próprio estado de repouso da mente está sujeito às leis do movimento e 2) que os neurônios são partículas materiais (como já mencionamos, a descoberta do neurônio ainda aconteceria). Assim Freud traz seu “princípio da inércia”, segundo o qual os neurônios se esforçam por eliminar toda a energia que possa eventualmente se acumular neles, e o “princípio da constância”, no qual Freud afirma que o organismo procura manter uma quantidade de energia constante ou tão baixa quanto possível.

Na teoria das “barreiras de contato”, Freud (1895) aborda a memória do tecido nervoso; nesse sentido, o tecido nervoso é capaz de, ao mesmo tempo, manter-se estável e dinâmico, uma vez que tem células capazes de permanecer intactas e células capazes de se modificar, de se transformar; aqui, o autor cita as células perceptuais (que apenas captam as informações) e células mnêmicas (que armazenam a informação captada). Na teoria das barreiras de contato, Freud (1895) afirma que há duas classes de neurônios: um que não se altera depois da passagem de uma energia de excitação (chamados de permeáveis), e outro que é mais sensível e, por isso, impede a maior parte da energia de excitação de passar por ele (impermeável).

Do ponto de vista biológico, Freud tem ciência de que sua hipótese é muito mais um modelo do que uma estrutura identificada em estudos de anatomia, o que não impede um pesquisador de criar um modelo teórico para facilitar a compreensão de sua proposta. Aliás, em seu estudo, Freud (1895) menciona que, tal como os estudiosos do neurônio, ele também acreditava que as terminações de um neurônio e suas conexões fossem a mesma coisa, o que não estaria de todo incorreto se formos pensar que tanto os dendritos quanto as terminações dos axônios cumprem a função de conexão. A Figura 3 ilustra o que hoje sabemos sobre os neurônios.

Neste ponto, da mesma forma que há dois tipos de neurônios, Freud também considera que o sistema nervoso tem duas funções: receber estímulos externos ao organismo e fazer a descarga das excitações de origem endógena. O sistema nervoso é composto de um cérebro primitivo conectado às nossas funções primárias (como comer, dormir, respirar, piscar etc.), além de regiões mais desenvolvidas, responsáveis pelo aparelho psíquico, emocional (que hoje sabemos que está relacionado com o sistema límbico) e cognitivo (localizado no córtex pré-frontal). Segundo Freud, todos esses sistemas costumam funcionar de forma equilibrada e regulada. Quando se ultrapassa a capacidade do organismo de lidar com uma determinada quantidade de energia, surge a dor. O sistema nervoso tem um importante papel de fugir da dor, o que faz com que surjam os sintomas a partir da união dos sistemas para acabar com essa dor. Aqui não estamos pensando apenas em dor física, mas também no significado da dor, o que adentra a questão qualitativa da dor: “a consciência nos dá o que se convencionou chamar de qualidades — sensações que são diferentes numa ampla gama de variedades e cuja diferença se discerne conforme suas relações com o mundo externo” (Freud, 1895, p. 360). Nesse sentido, haveria uma terceira classe de neurônios, que faria a intermediação entre as informações quantitativas e qualitativas. A consciência é a combinação desses três tipos de neurônios, os quais fazem com que a consciência sofra modificações mesmo quando não está em operação (isto é, mesmo quando estamos dormindo, por exemplo).


Esse funcionamento neuronal ocorre em conjunto com o princípio da inércia, ou seja, é papel desses três conjuntos de neurônios evitar o desprazer. Quando a quantidade de energia aumenta, eles se organizam para eliminá-lo, sendo que em baixa quantidade ou quantidade adequada (ou seja, com a produção de prazer) esses neurônios permanecem estáveis. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001, p. 362), esse modelo do princípio de inércia é similar ao reflexo, pois, no arco reflexo, uma sensação experimentada é uma sensação captada pelo órgão e completamente descarregada por sua respectiva via sensorial (audição, olfato, paladar, visão). Dependendo da intensidade do estímulo, não há um efeito sobre o organismo (como quando estamos envolvidos em uma corrida e não sentimos pisar em uma pequena pedra, ou quando escutamos uma apresentação musical e não nos damos conta dos instrumentos que participam da audição); mas, quando há uma intensidade suficiente, nosso corpo reage ao estímulo, quer provocando o prazer, quer o desprazer. Caso o corpo encontre uma outra experiência ou outro objeto que possa cessar a sensação de dor, o sistema psíquico rapidamente associará esse novo objeto à experiência de cessação da dor, resgatando-o caso a dor volte a aparecer. Esse sistema está relacionado ao que Freud começa a chamar de ego, uma estrutura psíquica mediadora, que inibe processos aversivos e facilita a sensação de prazer, garantindo assim o equilíbrio do sistema nervoso.

A Figura 4 mostra que os caminhos do prazer e do desprazer seguem vias diferentes, muito embora a origem seja a mesma. E Freud (1895) resume de forma simples o fluxo de energia: quando o ego (ou seja, a instância que medeia a entrada e descarga de impulsos) catexizado (cheio de energia de investimento) é inibido (ou seja, reage inibindo essa energia que está nele), a descarga de energia necessária torna-se uma indicação de realidade (ou seja, a psique busca no corpo uma forma de descarregar essa energia, conectando-a diretamente com a realidade e com o que o corpo está sentindo no momento), permitindo assim a descarga de energia de forma específica e direta. Uma das formas mais comuns se dá nos sonhos, uma das primeiras vezes que Freud introduz esse assunto.








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