quarta-feira, 26 de julho de 2023

MECANISMOS DE DEFESA AULA 2 (un- mdd 1s un)

 

 

 

 

MECANISMOS DE DEFESA

AULA 2

 

 

 

 

 

 

 

 

Prof. Marcelo de Oliveira

CONVERSA INICIAL

O recalque é na teoria freudiana um dos pilares da sua edificação teórica. Embasando a hipótese de um aparelho psíquico dividido e, como tal, apresenta produções específicas derivadas desta cisão estrutural.

Foi como um fato clínico que o recalcamento se impôs a Freud, desde seus primeiros pacientes diagnosticados com histeria. Ele observara que estes pacientes não tinham à sua disposição certas recordações. Verificou que haviam conteúdos ideativos que o paciente queria esquecer e que, intencionalmente, buscava manter fora de seu pensamento consciente.

Em seu início a teoria do recalque é considerada como correlativa ao inconsciente, ou seja, eram de início tomados como sinônimos. A compreensão era de que os conteúdos submetidos ao recalque escapavam ao domínio do sujeito e, como um grupo psíquico separado era regido por leis próprias – o chamado processo primário.

O recalque é uma condição, uma ação, direcionada a certas representações e seus derivados em que estes são impedidos de acesso à consciência. Impondo-se como uma resistência à ação destes conteúdos é necessário um exame mais detalhado de sua ação, uma vez que Freud (1915) analisa a questão da seguinte maneira:

a possibilidade de existência de um recalque não é fácil de deduzir teoricamente. Por que uma moção pulsional sucumbiria a tal destino? Aparentemente, a condição necessária para isso seria que ao atingir a meta pulsional se produzisse desprazer ao invés de prazer. Todavia, é difícil conceber algo assim, pulsões deste tipo não existem, uma satisfação pulsional sempre é prazerosa. Nesse caso, então, precisaríamos supor circunstâncias especiais, algum tipo de processo pelo qual um prazer obtido a partir da satisfação de uma pulsão fosse transformado em desprazer. (Freud, 2004 (1915), p. 177)

Há três fases possíveis no processamento do recalque: o recalque originário; o recalque propriamente dito; e o retorno do recalcado. Iremos estudá- los nesta etapa, bem como certos detalhes deste dispositivo que tem um lugar central na teoria das defesas e na estruturação do aparelho psíquico.

TEMA 1  RECALQUE ORIGINAL

Como mencionado, é necessário certas condições para que o recalque entre em ação, pois a satisfação de uma pulsão sendo sempre prazerosa, o que justificaria a ação desta defesa chamada recalque?

A resposta a esta questão é que a pulsão submetida ao recalque se fosse realizada produziria prazer em um lugar e desprazer em outro. Concluindo-se, portanto, que para que este mecanismo de defesa possa operar é necessário haver previamente uma separação entre a atividade psíquica consciente e a atividade psíquica inconsciente.

Assim, compreende-se que a pulsão recalcada foi submetida a esta defesa porque a sua realização produziria a satisfação no inconsciente, mas seria incompatível com os conteúdos da consciência, gerando, então, neste sistema, uma quantidade de desprazer consideravelmente maior que a quantidade de prazer que produziria se chegasse a seu termo.

O recalque original consiste na primeira fase do recalque. Nesta fase o representante da pulsão é impedido de acessar a consciência. Com este impedimento é estabelecida uma fixação entre este representante que foi impedido e a pulsão representada, permanecendo ambos fora da consciência no inconsciente.

Esta pulsão permanece tencionando, buscando seu escoamento por meio da consciência para obter o alívio da pressão, por uma descarga de energia, pela ação motora. Com esta pressão represada pelo recalque, a representação recalcada produz ligação com outros representantes, promovendo uma cadeia associativa entre estes conteúdos representacionais.

Esta representações associadas são também direcionadas para o acesso à consciência, porém sofrem o mesmo processo que o representante original. A este processo de recalque dos conteúdos associados chama-se recalque propriamente dito.

Assim, não apenas a representação original é alvo da defesa do recalque, mas também os substitutos desta representação. Diante desta hipótese é que se propõe a associação livre como método de tratamento que visa fazer emergir o conteúdo que está sob o recalque à consciência e, assim, aliviar a pressão produzida para se apresentar neste sistema, traduzindo esta pressão pulsional como fala. Possibilitando a realização da pulsão agora elaborada pela sua expressão simbólica (fala) no campo da consciência e, se for o caso, na efetivação de uma ação mecânica possível.

TEMA 2  O REACALQUE E SUA FORÇA DE ATRAÇÃO

A teoria freudiana ressalta que tão importante quanto o movimento de repulsão que atua a partir do consciente sobre o conteúdo recalcado é considerar o poder de atração que o recalcado original mantém e exerce sobre tudo o que consegue estabelecer conexão.

O recalque, ainda que consiga afastar da consciência a representação incompatível, não impede que este representante pulsional continue existindo no inconsciente e continue se organizando na formação de novos derivados, e com estes estabelecendo ligações associativas.

O representante pulsional, uma vez que está afastado da consciência, se desenvolve de forma mais desimpedida e com maior riqueza. Ou seja, ele continua a proliferar-se em representações substitutivas, buscando uma brecha, uma falha no recalque para poder ter acesso à consciência.

Quando estes substitutos se afastam suficientemente do representante recalcado, seja pela incorporação de deformações, seja pela interpolação de certa quantidade de elos intermediários, o acesso à consciência é permitido.

Durante a prática da técnica psicanalítica, solicitamos continuamente ao paciente que produza as representações derivadas de recalcado que possam, em decorrência de sua distância ou de seu deformação, passar livremente pela censura do consciente. As ideias espontâneas que requeremos do paciente, solicitando-lhe que renuncie a qualquer ideia intencionalmente almejada e a toda crítica, nada mais são do que tais representações derivadas afastadas e distorcidas. É a partir delas que podemos reconstituir uma tradução consciente do representante recalcado. Observamos, assim, que o paciente é capaz de produzir devaneios percorrendo uma cadeia de ideias espontâneas desse gênero até o momento em que se depara com um grupo de pensamento cuja relação com o recalcado se manifesta tão intensamente que ele se  obrigado a voltar a repetir a tentativa do recalque. De modo análogo, os sintomas neuróticos devem ter preenchido as mesmas condições descritas acima, pois eles são os derivados do recalcado que, por meio dessas formações sintomáticas, afinal conquistaram o acesso à consciência que antes lhes era negado. (Freud, 2004 (1915), p. 180)

O recalque trabalha de modo individual, ou seja, cada representação derivada isolada tem um destino específico. Devido ao grau de deformação ou de distanciamento da representação originária, uma e outra representação podem ter destinos diversos. Uma pode vir a ter acesso à consciência e outra não, por exemplo.

Outra característica a ser ressaltada do recalque é que ele é altamente móvel. Isto é, ao contrário do que se poderia imaginar, que o recalque fosse um evento único e de efeito permanente, ele é altamente dinâmico, necessitando um investimento contínuo de força. Caso este investimento de força para que o recalque se mantenha ativo venha a ser interrompido, ele não funcionará a contento e deverá ser novamente investido de força para conseguir realizar a sua ação de defesa.

Diante desta pressão intermitente que o conteúdo recalcado exerce para ser admitido à consciência, o recalque necessita sustentar continuamente uma força na direção oposta, ou seja, uma contrapressão ao conteúdo recalcado para manter sua função e seu objetivo.

Portanto, a manutenção de um recalque pressupõe um dispêndio de força constante, ao passo que a suspensão do recalque significa, em termos econômicos, poupar esse dispêndio de força. Aliás, a mobilidade do recalque expressa-se também nas características psíquicas do estado de sono que possibilitam a formação onírica. Com o despertar, as cargas de investimento do recalque, que haviam sido recolhidas, são enviadas de novo. (Freud, 2007 (1915), p. 181)

Os sonhos seriam, portanto, a expressão das representações que durante o estado de vigília permanecem sob o recalque. Observamos, então, que se uma representação derivada não possui investimento de energia suficiente, fica mantida afastada da consciência, mas se obtiver uma quantidade maior de investimento poderá suplantar a força recalcante. Conclui-se que no estado de vigília, quando estamos acordados, via de regra, o recalque está sendo continuamente investido de energia psíquica para manter sob sua pressão os conteúdos incompatíveis à consciência. Enquanto que, durante o sono, a consciência tem seu investimento energético diminuído e, portanto, o recalque também, possibilitando a condição para que os conteúdos que estavam excluídos da consciência possam vir aí então se apresentar, na forma onírica, ou seja, como sonhos.

Destacamos nesta dinâmica do aparelho psíquico o fator quantitativo em funcionamento para o exercício, ou não, do recalque. Este é o nosso próximo assunto.

TEMA 3  O FATOR QUANTITATIVO

O fator quantitativo trata do aspecto econômico da teoria freudiana. Na elaboração da sua metapsicologia, Freud destaca três aspectos do aparelho psíquico, ou seja, três registros que estão em funcionamento simultâneo, por vezes suas metas e objetivos coincidem e em outras vezes não. As três dimensões do aparelho psíquico, de acordo com a metapsicologia, são:

  • Econômico;
  • Dinâmico;
  • Topográfico.

O aspecto econômico, como dito anteriormente, é relativo às quantidades de energia, cargas e investimento. Quanto maior a carga de afeto, mais pressão uma representação poderá exercer.

O aspecto dinâmico é relativo aos fluxos, aos caminhos e direções percorridas pelas forças e cargas de afeto. A dinâmica do recalque impõe às representações recalcadas um dinamismo em suas cargas de investimento para que busquem caminhos, se desloquem, percorram conexões e associações para encontrar um ponto de recalque com menor investimento de energia, e assim poder suplantá-lo.

E o aspecto topográfico delimita as regiões ou sistemas do aparelho psíquico. Cada sistema tem um funcionamento específico, por exemplo, no inconsciente o funcionamento deste sistema é regido pelo processo primário, ou seja, há um livre escoamento de energia psíquica entre as representações. As cargas energéticas deslocam-se com grande facilidade de uma representação à outra. Estes aspectos compõem a chamada metapsicologia freudiana.

O fator quantitativo é decisivo para o conflito, assim quando uma representação incompatível ou repulsiva é fortalecida além de certo nível, o conflito se atualiza, e é justamente sua ativação que traz a reboque o recalque.

Estas observações nos levam a perceber que em paralelo à representação há um outro elemento que também representa a pulsão,

para esse outro elemento do representante psíquico tem sido adotada a designação de quantidade de afeto; ele corresponde à pulsão na medida em que se desprendeu da representação e encontra expressão, de acordo com sua magnitude, em processos que se fazem perceber à sensação na forma de afetos. (Freud, 2007, [1915], p. 182)

 diferentes destinos possíveis do representante pulsional devido a este fator quantitativo, a saber, pode haver uma total exclusão do representante pulsional; ou surgir como um afeto mais determinado, ou é transformado em angústia.

Estes dois últimos destinos são particularmente estudados na teoria freudiana, pois tratam da transformação das energias psíquicas das pulsões em afetos e, de um modo mais especial, na transformação em angústia.

Garcia-Roza (1997) ressalta que do ponto de vista econômico é mais importante o destino do afeto ligado a um representante ideativo recalcado do que o destino do representante propriamente dito. Posto que, a parte quantitativa da pulsão só se exprime em afetos, surgindo por este motivo a possibilidade, pelo mecanismo do recalcamento, mantermos no inconsciente o representante ideativo da pulsão, mas não sermos capazes de impedir o desprazer que resulta da carga de afeto que estava ligada a ele.

Ora, se o motivo e o propósito do recalque era tão somente a evitação do desprazer, o destino da quantidade de afeto é o aspecto mais importante e decisivo para uma análise do processo do recalque. Pode-se afirmar que se um recalque não conseguiu impedir que surjam sensações de desprazer ou de angústia ele fracassou, ainda que tenha mantido afastado da consciência seu representante ideativo.

Diante deste fracasso é que se produz a terceira fase do processo do recalque chamada o retorno do recalcado. É um processo derivado do recalque mas que não se confunde com ele, pois tem uma organização diferente na formação de elementos substitutos, ou sintomas. E que surgirão a partir dos elementos representativos da pulsão que não submergiram ao recalque.

Partindo deste processo de retorno do recalcado que Freud vai analisar os diferentes destinos do representante ideativo e do afeto por meio de três quadros clínicos: a neurose de angústia, a histeria de conversão e a neurose obsessiva.

TEMA 4  O RECALQUE NA HISTERIA

Na histeria de conversão o processo de recalcamento é em geral bem sucedido, na medida em que consegue provocar o desaparecimento total do afeto. Ainda que no lugar do afeto desaparecido surjam sintomas que produzem também desprazer, contudo, em geral, estes não são acompanhados de angústia.

O conteúdo representacional foi expulso da consciência por completo, mas no lugar deste surge na histeria de conversão como formação substituta e, ao mesmo tempo como sintoma, uma inervação ultraforte, somática, podendo ser ou de natureza sensória (sensação) ou de natureza motora (movimento).

Esta inervação pode surgir como excitação ou inibição, ou seja, a pessoa pode sentir em determinada região do corpo uma sensação que lhe parece ser específica, ou estranha, mas não havendo aparentemente nenhuma explicação razoável (do ponto de vista orgânico) para que esta tenha surgido. Ou ainda, por meio da excitação ou inibição do movimento, em que uma parte do corpo se mantenha inerte mesmo com a intenção de movê-la, as conhecidas paralisias que chamou inicialmente a atenção de Freud e que lhe despertou o interesse pela investigação do inconsciente.

Freud (1915) considera que o recalque da histeria fracassa por completo, pois só é viável à custa de um grande número de formações substitutivas, sintomas. Entretanto, se se observar pela quantidade de afeto eliminada, esta sim sua tarefa principal, ele obteve sucesso. Aliviando em alguma medida a pressão realizada pelo representante pulsional. Por fim, o processo de recalque da histeria de conversão encerra-se com a formação de um sintoma, neste caso, conversivo.

Uma conversão bem sucedida é, pois, uma garantia de ausência de ansiedade, já que provoca o desaparecimento completo da quota de afeto. No caso de o recalcamento não ser bem feito, os sintomas podem ser acompanhados de ansiedade, o que provoca a formação de um mecanismo fóbico para evitar o desprazer. No entanto, na histeria de conversão processo de recalcamento geralmente se completa com a formação do sintoma, não havendo necessidade de outros mecanismos complementares. (Garcia-Roza, 1997, p. 165)

TEMA 5  O RECALQUE NA NEUROSE OBSESSIVA

Há um pressuposto que afirma que na neurose obsessiva há uma regressão, por intermédio do qual um desejo sádico entrou no lugar de um desejo amoroso. Esta regressão se refere a um período de ambivalência na constituição do objeto amoroso, em que o mesmo objeto é alvo de impulsos hostis e impulsos amorosos.

Por conta desta ambivalência pode não ser claro se o representante que está submetido ao recalque é o anseio amoroso ou o anseio hostil, pois na neurose obsessiva o recalcamento inicialmente é eficaz, substituindo por deslocamento o representante ideativo e com isso fazendo desaparecer o afeto. Porém, este sucesso tende a se dissipar com o tempo, revelando uma falha no processo de recalcamento.

A partir de então, há o processamento de uma formação reativa ao representante que logrou escapar da ação do recalque. A ambivalência que possibilitou a ocorrência do recalque pela formação reativa é o mesmo ponto em que possibilita o retorno do recalcado vir à tona. O afeto desaparecido retorna transformado em medo social, em medo da própria consciência moral e na forma de uma repreensão impiedosa. A representação rechaçada é com frequência substituída por meio de um deslocamento para algo menor, ou indiferente, portanto, ocorre uma substituição por deslocamento.

Em geral, na neurose obsessiva, há uma forte tendência a restaurar a representação recalcada de forma completa e intacta. O fracasso do fator quantitativo, afetivo, que ocorre no recalque, põe em jogo o mesmo mecanismo de fuga por evitações e proibições ao qual é possível de encontrar também na formação da fobia histérica.

A representação, contudo, é rechaçada do consciente e mantida obstinadamente afastada, pois com esse afastamento se logra o travamento motor do impulso, ou seja, efetua-se o impedimento da ação. Assim, o trabalho de recalque na neurose obsessiva resulta numa luta sem êxito e sem fim. Permanecendo o sujeito num constante e fatigante trabalho de “ir e vir”, devido à ambivalência que se apresenta como característica marcante deste quadro clínico.

NA PRÁTICA

Partindo da teoria do recalque é possível compreender como a associação livre pode lograr êxito como método de tratamento. No convite realizado ao paciente para que fale livremente, evitando qualquer tipo de julgamento sobre o que diz, o analista está advertido sobre o processo do recalque, seu funcionamento e suas características.

O analista, conhecendo a hipótese freudiana, sabe que o recalque opera na representação individualmente e dinamicamente, ou seja, a fala despretensiosa é o escoamento livre de energia psíquica por meio dos representantes que a compõem.

Na medida em que o recalque se realiza sobre um representante os demais que o substituem podem ser recebidos à consciência, contudo, mantendo certa distância e deformação em relação ao representante incompatível.

As chamadas psiconeuroses de defesa – histeria, fobia, neurose obsessiva – são resultantes do processo falível do recalque. Cada uma destas psiconeuroses apresenta uma forma de reagir ao retorno do recalcado, ou seja, os substitutos e sintomas advindos do recalque propriamente dito.

O objetivo de uma análise, de acordo com a teoria freudiana, não é fortalecer o recalque para que este seja infalível. Posto que é o recalque também um fato de estrutura, seu modo de operação não é o objetivo da análise. Mas sim, a elaboração dos conteúdos que sob o recalque permanecem.

Nestes casos, a elaboração se refere à possibilidade de reconhecimento na consciência dos representantes pulsionais reprimidos, mesmo que distorcidos ou afastados do representante original. A partir deste reconhecimento, que se dá pela fala, compreendendo esta como a via motriz e simbólica por excelência, o dispêndio de energia para manter o recalque é amenizado, bem como o desprazer da representação pulsional, que se dilui no processo analítico.

FINALIZANDO

Foi ao se defrontar com o fenômeno clínico da resistência e ao empreender a superação da teoria do trauma que Freud foi levado a produzir o conceito de recalcamento. A teoria do trauma admitia que as manifestações neuróticas seriam decorrentes de um trauma psíquico sofrido na infância e provocado por uma acontecimento em face do qual o indivíduo não teria tido condições de realizar a ab-reação.

Assim, impossibilitado de se defender do acontecimento de uma forma normal, o indivíduo empreenderia uma defesa patológica. O objetivo do procedimento hipnótico seria, neste caso, possibilitar a revivência da experiência traumática e a consequente ab-reação do afeto ligado a ela.

Quando Freud abandona a hipnose e solicita aos seus pacientes que procurem se lembrar do fato traumático sem o auxílio deste recurso, ele passa se defrontar com um fato novo que era inteiramente ocultado pelo próprio método que empregava: a resistência por parte do paciente que se manifestava como falha de memória ou de incapacidade de falar sobre o tema.

Essa resistência foi interpretada por ele como o sinal externo de uma defesa que teria por finalidade manter fora da consciência a ideia ameaçadora. A defesa era a censura exercida pelo ego sobre a ideia ou conjunto de ideias que despertavam sentimentos de vergonha e de dor.

O que constitui a defesa é, portanto, a impossibilidade de uma conciliação entre uma representação ou grupo de representações e o ego, o qual se transforma em agente da operação defensiva.

Freud define o recalcamento como o processo cuja essência consiste no fato de afastar determinada representação do consciente. O objeto do recalcamento não é a pulsão propriamente dita, mas um de seus representantes, no caso, o representante ideativo (Garcia-Roza, 1997, p.153).

REFERÊNCIAS




FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Trad. Luiz Alberto Hans. Rio de Janeiro: Imago, 2004.

FREUD, S. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos. São Paulo: Companhia das letras, 2010.

FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: JZE, 1997.

LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. Tradução Pedro Tamen. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 







palavras-chave: freud, mecanismos de defesa, uninter,

domingo, 23 de julho de 2023

Principais áreas de estudo da neuropsicologia. resumo de estudos de neuropsicanalise

 Principais áreas de estudo da neuropsicologia:

  • Neuroanatomia: Estudo da estrutura e organização do sistema nervoso, incluindo os diferentes lobos cerebrais, áreas corticais e conexões entre eles.
  • Neurofisiologia: Investigação das funções e atividades elétricas e químicas do sistema nervoso, incluindo como os neurônios se comunicam.
  • Neuropsicologia clínica: Concentra-se na avaliação e tratamento de indivíduos com distúrbios neurológicos, como lesões cerebrais traumáticas, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), tumores cerebrais, doenças neurodegenerativas (como Alzheimer e Parkinson) e epilepsia.
  • Neuropsicologia cognitiva: Estuda como diferentes funções cognitivas (memória, atenção, linguagem, percepção, entre outras) são processadas pelo cérebro e como podem ser afetadas por danos cerebrais.
  • Neuropsicologia do desenvolvimento: Analisa como o cérebro e as funções cognitivas se desenvolvem ao longo da infância e adolescência, bem como os efeitos de danos cerebrais nesses estágios.
  • Neuropsicologia experimental: Realiza pesquisas para entender melhor os processos cognitivos, emocionais e comportamentais em indivíduos saudáveis e em condições neurológicas específicas.

A neuropsicologia usa várias técnicas para investigar o cérebro e o comportamento, incluindo testes neuropsicológicos, ressonância magnética funcional (fMRI), eletroencefalografia (EEG), entre outras.

Os neuropsicólogos trabalham em estreita colaboração com outros profissionais de saúde, como neurologistas, psiquiatras e terapeutas, para auxiliar no diagnóstico, tratamento e reabilitação de pacientes com distúrbios neurológicos.

É importante destacar que a neuropsicologia tem contribuído significativamente para a compreensão das funções cerebrais e tem sido fundamental no desenvolvimento de abordagens terapêuticas eficazes para pessoas com lesões ou doenças neurológicas.




Conclusão:



Neuropsicologia vai além com a neuropsicanalise sendo âmbito da psicanalise Freud sendo neurologista e tendo aprimorado sempre seus estudos trás grande contribuição e de suma importância pra alem da neuropsicanalise, psicanalise, e psicologia , temos a metapsicologia , estudada na psicanálise com maior ênfase do que na psicologia mas que eras muitas contribuições e indiretamente resultados pra pesquisas compreenssão dos aspectos de usabilidade e aplicação maior da neuropsicóloga sendo vista de forma abrangente e personalizando o tratamento de cada paciente com assertividade maior e melhor viabilidade sócio financeira e quebrando as questões de preconceito da saude mental ser coisa de “doido”.


CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM PSICANÁLISE AULA 6

 CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM PSICANÁLISE

AULA 6

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Prof.ª Juliana Santos

CONVERSA INICIAL

Nesta abordagem, retomaremos o movimento empreendido por Lacan, que ficou para nós, psicanalistas em permanente formação, um eterno convite de retorno a Freud. Então, aqui vai a lição número 1: ninguém é psicanalista sem estudar Freud, sendo assim, o sentido psicanalítico deve sempre ser retomado desde Freud.


Para empreendermos esse caminho trilhado por Lacan,  é necessário que venhamos a compreender as suas reais motivações a liderar esse movimento. Depois, vamos dar mais uns passos em seus ensinos, focando nos conceitos fundamentais em psicanálise.

Lacan, do início ao fim do seu ensino, sempre fez questão de demonstrar o seu posicionamento freudiano. Em uma de suas últimas apresentações em Caracas, em 1980, ele afirmou: “cabe a vocês serem lacanianos, se quiserem. Quanto a mim sou freudiano.” (Roudinesco, 1988, p. 720, citada por Kupermann, 2012, p. 133).

Portanto, a referência a Freud está em todos os ensinos de Lacan. Contudo, após o seminário 11, algo mudou. Miller (1997, p. 21), genro de Lacan e responsável pelos seus direitos autorais, no livro Para ler o seminário 11, nos indica que nos primeiros dez anos dos seminários de Lacan, ele sempre adotou um texto de Freud para embasar o seu ensino, por exemplo: no primeiro ano – seminário 1, foram os escritos técnicos de Freud; no terceiro ano – seminário 3, as psicoses, foi o caso Schreber; no seminário 7, a ética da psicanálise, foi “O mal-estar na civilização”, entretanto, nesse seminário Lacan não fez isso, nem nos seminários seguintes.

Assim, o seminário 11 representa um corte nos ensinos de Lacan, e para entendermos a relevância desse momento, faremos inicialmente uma breve jornada sobre esse período, trazendo o contexto que fez Lacan redigir, por meio de sua releitura de Freud, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.

Por fim, trabalharemos a definição lacaniana do inconsciente estruturado como uma linguagem, em que, para fundamentar a sua tese, ele se utiliza dos conceitos linguísticos “significante” e “significado”.

TEMA 1 – DA “EXCOMUNHÃO” AO RETORNO A FREUD

Lacan nomeia de “excomunhão” a abertura do seminário 11. O motivo de ele ter escolhido esse nome para a abertura do seu seminário diz respeito à situação que ele estava vivenciando naquele momento.

 “Excomunhão” é um termo da igreja católica usado para excluir uma pessoa dos ritos religiosos quando esta pratica algum tipo de heresia. Então, Lacan comparou a International Psychoanalytical Association (IPA) a uma instituição religiosa, sobre a qual declara (1964, p. 11, grifo do autor):

Que meu ensino, designado como tal, sofre por parte de um organismo que se chama Comissão Executiva de uma organização internacional que se chama Internacional Psychoanalytical Association, uma censura que não é de modo algum ordinário, pois que se trata de nada menos que proscrever esse ensino – que deve ser considerado nulo em tudo que dele possa vir quanto à habilitação de um psicanalista, e de fazer dessa proscrição a condição da afiliação internacional da sociedade psicanalítica a qual pertenço. Isto ainda não é bastante. Está formulado que essa afiliação só será aceita se derem garantias de que, jamais, meu ensino possa, por essa sociedade, voltar a atividade para a formação de analistas. Trata-se, portanto, de algo que é propriamente comparável ao que se chama, em outros lugares, excomunhão maior.

Miller (1997), ao comentar essa passagem, lembra-nos de que Lacan, ao contrário do que muitos acreditam, não foi expulso da IPA. O que ocorreu, de fato, é que, em 1953, juntamente com outros colegas, Lacan decidiu deixar o instituto francês, a Société Psychanalytique de Paris, pois, para ele, a instituição seguia um rumo autoritário. Em seguida, pediram para que seus ensinos fossem reconhecidos pela IPA, para que pudesse inaugurar a sua própria escola.

A IPA é um grande “guarda-chuva” que abriga outras sociedades de psicanálise, dando a ela a legitimidade de atuarem como uma sociedade de ensino e formação de psicanalistas. Foi nesse sentido que Lacan buscou a IPA, para ter seus ensinos reconhecidos. Pois, conforme Miller (1997) nos descreve, isso já havia ocorrido em Nova York, quando, após uma cisão de uma sociedade, um grupo abriu em seguida sua escola e teve seus ensinos reconhecidos pela IPA; entretanto, o mesmo não ocorrera com Lacan.

Em 1963, Marie Bonaparte, integrante do comitê central e amiga de Anna Freud, Hartmann, entre outros, convenceu o comitê a recusar Lacan, enviando-lhe uma carta na qual lamentavam muito, mas, uma vez que este tinha deixado o instituto francês, já não era mais membro da IPA (Miller, 1997, p. 18).

Assim, o seminário 11 trata-se de um seminário que representa um novo começo para Lacan e no qual, segundo Miller, ele se coloca à prova, pois se indaga: “estou qualificado (para dar esse seminário)?” – sendo que antes já havia ministrado, durante dez anos, dez seminários. Contudo, declara: “considero este problema adiado por ora” (Lacan, citado por Miller, 1997, p. 19).

De fato, o seminário 11 trata de alguém que está recomeçando e, entre os 10 seminários anteriores e este, há um corte que aponta para um novo começo, ou seja, não é uma continuidade. Foi entre o capítulo 19 e 20 do seminário 11 que Lacan funda a Escola Freudiana de Paris. Assim, para Miller, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise pareceram-lhe um tributo a Freud, uma vez que são tirados diretamente da obra freudiana, além da atribuição do nome Escola Freudiana à sua instituição. Lacan deseja demonstrar que ele não poderia ser colocado como um dissidente, mas que também não poderia parar apenas no que tinha sido deixado por Freud, visto que, em seu tributo, ele caminhou para ir além de Freud. Explica Miller (1997, p. 20):

Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise parece ser um tributo a Freud, uma vez que os quatro conceitos são tirados diretamente de sua obra. Assim como Lacan, na época, chama sua instituição de Escola Freudiana, em seu seminário utiliza o termo “conceitos freudianos” apenas para provar que não é um dissidente. Mas, dentro deste “tributo”, ele tenta ir além de Freud. Não um além que deixe Freud para trás: trata-se de um além de Freud que mesmo assim está em Freud: Lacan está à procura de alguma coisa na obra de Freud de que o próprio Freud não se deu conta. Algo que podemos chamar de “extimidade”, já que é tão íntimo que Freud mesmo não o percebeu. Tão íntimo que essa intimidade é extimidade. É um mais-além interno.

Portanto, ao enfatizar os quatro conceitos fundamentais da psicanálise em seu seminário, Lacan questionou o posicionamento da IPA e denunciou a rejeição dos conceitos, visto que, segundo Lacan, a IPA estava mais preocupada em manter um rigor doutrinário do que em manter o sentido conceitual da teoria freudiana.

Desse modo, quando Lacan, em seu seminário, faz algumas perguntas de forma retórica sobre algumas questões da psicanálise, Miller sinaliza para algo a mais que deve ser escutado:

A que dizem respeito as fórmulas na psicanálise? O que é que motiva e modula esse deslizamento do objeto? Existem conceitos analíticos de uma vez por todas formados? A manutenção quase religiosa dos termos dados por Freud para estruturar a experiência analítica, a que te remete ela? Tratar-se-ia de um fato muito surpreendente na história das ciências – o de que Freud seria o primeiro, e permaneceria o único, nesta suposta ciência, a ter introduzido conceitos fundamentais? (Lacan, citado por Miller 1997, p. 20- 21)

Assim, ao oferecer um seminário sobre os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan se pergunta se realmente os conceitos de Freud devem permanecer sendo os únicos válidos em psicanálise.

Ao se confrontar com tais indagações, Lacan se autoriza e introduz seus próprios conceitos. De acordo com Miller (1997, p. 21), trata-se, portanto, do seminário 11, o verdadeiro início dos ensinos de Lacan:

No interior dessas questões epistemológicas e dessa celebração de Freud, vemos assim não um desprestígio de Freud, mas o que poderíamos chamar de uma substituição. Uma espécie de reescrita de Freud, uma versão de Freud que Lacan adota; mas isso é feito em segredo, ou ao menos discretamente, porque ao mesmo tempo ele tem de provar que é o verdadeiro herdeiro de Freud. A isso se poderia chamar de estratégia do seminário.

 O Seminário 11 – os quatro conceitos fundamentais da psicanálise – foi mais do que uma espécie de resgate da obra de Freud, mas também o momento de reinvenção do próprio Lacan, sendo a negativa da IPA um ato que o levou a fundar a sua escola de psicanálise.

TEMA 2 – QUATROS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE

Os quatros conceitos fundamentais da psicanálise, tratados por Lacan no seminário 11, são: inconscienterepetiçãotransferência e pulsão.

 O caro conceito freudiano de inconsciente, naquele momento, descreve Miller (1997), estava sendo completamente negligenciado pelos psicólogos do eu, a ponto de não ser considerado um conceito fundamental. Usando as próprias palavras de Miller (1997, p. 21): “eles não sabem o que fazer com o inconsciente porque consideram que a primeira tópica de Freud – inconsciente, pré-consciente, consciente – foi completamente superada pela segunda tópica – eu, supereu e isso.”

Assim, para Miller (1997, p. 22), o seminário 11, de um lado, objetiva a “revitalização ou celebração de Freud” e, de outro, introduz um novo modo de compreensão sobre a psicanálise, em que o autor afirma encontrar uma “nova fundação da psicanálise.”

 Para Miller (1997), o modo como Lacan abordou os quatro conceitos empreendeu quatro novas formas de ler o inconsciente, visto que, de fato, existem quatro maneiras distintas de compreender o que se passa em uma análise, portanto, o que foi abordado por Lacan se aproxima da prática analítica.

“O que é falar?" Como compreendemos o fenômeno da fala em análise? Lacan privilegia as falhas, optando por definir o inconsciente – e esta é somente uma definição, dentre muitas – como “tropeço, desfalecimento, rachadura. Aqui ele está muito próximo da primeira descoberta de Freud, uma descoberta rejeitada pelos psicólogos do eu, que acham que Freud não sabia tanto quanto eles. Tropeço, desfalecimento, rachadura. Numa frase pronunciada, escrita, alguma coisa se estatela. Freud fica siderado por esses fenômenos, e é neles que vai procurar o inconsciente. Ali, alguma outra coisa quer se realizar – algo que aparece como intencional, certamente, mas de uma estranha temporalidade. O que se produz nessa hiância, no sentido pleno do termo produzir-se, se apresenta como um achado. É assim que a exploração freudiana encontra o que se passa no inconsciente.” (Lacan, citado por Miller 1997, p. 22, grifo do autor)

As referências de Lacan se aproximaram dos textos de Freud: Interpretação dos sonhosPsicopatologia da vida cotidiana; e Chistes e sua relação com o inconsciente. Contudo, os analistas freudianos estavam sendo atraídos pelos fenômenos. O caminho apontado por Lacan tentava demonstrar que, na experiência analítica, algo ocorre de forma invertida, pelo qual “isso” é quando ocorre um lapso ou uma falha, visto que é aí o lugar em que encontramos o sujeito.

O sujeito do inconsciente, subscrito no ensino de Lacan, portanto, é algo que se encontra entre o ser e o nada, um estranho tipo de ser que aparece quando não deveria: precisamente quando uma intenção estranha está sendo realizada, conclui Miller (1997, p. 23).

Outra forma pela qual Lacan nos ensina a ler o inconsciente é por meio da repetição, que vai ser apresentada no seminário 11, em sua articulação de significante. Essa articulação já tinha sido apontada por Freud, pois em sua prática ele pôde se dar conta daquilo que, na fala de seus pacientes, se repetia em seus sonhos e na própria prática da associação livre (S1-S2).

Porém, o que Lacan enfatiza de forma mais radical é que o inconsciente não resiste tanto quanto repete. Portanto, isso ia na contramão do que diziam em sua época, pois a práxis fundamental do movimento da psicologia do eu estava completamente apegada à afirmação de que “o inconsciente resiste”, de modo que o caminho do tratamento se dava pela superação das resistências.

Assim, a repetição é a tese defendida por Lacan no seminário 11, em que afirma que “a constituição mesma do campo do inconsciente se garante pelo Wiederkehr” (Lacan 1964, p. 53). E afirma, ainda, que é aí que Freud garante a sua grandeza.

Sobre a transferência, Lacan a considera como um aspecto do inconsciente, portanto não é a mesma coisa que uma repetição. Se, em Freud, verificamos que a transferência é uma modalidade da repetição, para Lacan não. Ele distingue a transferência da repetição, propondo, assim, uma nova teoria da transferência. Miller (1997, p. 24) faz uma ressalva, e pontua que, para compreendermos a transferência no seminário 11, temos que ligar a transferência a uma realidade ilusória, e a repetição ao real, ou seja, como aquilo que não engana. Assim, “quando se apresenta o inconsciente com transferência; ele é apresentado como algo que ilude e engana.” Essa é a explicação para quando Lacan declara que a verdade tem uma estrutura ficcional e que se revela nas falas sobre transferência. Desse modo, a transferência pode ser conectada à realidade psíquica do sujeito.

O último conceito fundamental ensinado por Lacan no seminário 11 é o inconsciente como pulsão. A pulsão foi um dos conceitos mais trabalhados por Lacan em todo o seu ensino. Como sabemos, a pulsão é uma força constante que busca ser satisfeita pelo avassalador, onipotente princípio do prazer, como afirma Miller (1997, p. 25). Ela é alguma coisa que não muda, que requer todo o nosso sonho e toda a nossa vigília, mas que é, ainda assim, prazer. Em última análise, para Lacan, o sujeito, em algum nível, está sempre feliz, sempre tendo prazer. Foi isso que Freud (1920) defendeu em seu texto Além do princípio do prazer que, de alguma maneira, mesmo que por meio de uma aparente infelicidade ou desprazer, o sujeito estará sempre em busca de satisfação, cujo alcance é o gozo.

No próximo tópico, buscaremos compreender as incisões de Lacan sobre o conceito de inconsciente. Sabemos que ele, por intermédio da ciência linguística, pôde fazer grandes contribuições à teoria psicanalítica: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”.

TEMA 3 – INCONSCIENTE LACANIANO

O inconsciente foi uma descoberta de Freud. Mesmo que o uso do termo já fosse empregado, foi Freud que concebeu o seu funcionamento. A releitura dos conceitos feita por Lacan fez surgir um pensamento inteiramente novo, embora este fosse, surpreendentemente, o que já estava em Freud. Portanto, trata-se de uma interpretação genuína daquilo que Freud escreveu, o que Lacan pôde explicar.

Para Coutinho Jorge (2005, p. 65), Lacan trouxe de volta a originalidade implicada nos pensamentos freudianos e ressaltou o segmento nuclear de sua obra – o inconsciente como linguagem. No texto Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, Lacan (1953) resgata o campo da linguagem na psicanálise, pois como já mencionamos, os psicanalistas daquela época haviam se afastado do principal preceito freudiano – a fala – e se orientavam mais pelos fenômenos.

Assim, ao afirmar que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, Lacan evidencia o único meio pelo qual a psicanálise pode operar – pela palavra do analisando.

Lacan evidencia que o inconsciente é um saber, revogando o sentido do saber introduzido por Descartes, visto que o saber inconsciente é um saber que não se sabe, ou seja, escapa à razão. Coutinho Jorge (2005, p. 66) ainda destaca que, para Lacan, o ato falho é, com efeito, um ato bem-sucedido, pois é por meio dele que a verdade do sujeito se desvela ainda que à sua revelia.

Nesse sentido, Coutinho Jorge (2005) cita Jean-Jacques Moscovitz, que chamou a atenção para o termo “inconsciente” em alemão – Unbewusste. Em sua tradução literal, significa “incabível”, ou seja, a consciência é um saber que se sabe e o inconsciente um saber que não se sabe.

Portanto, nos ensinos de Lacan encontramos inúmeras demonstrações em que ele assinala o saber do inconsciente. Coutinho Jorge (2005) o destaca pela distinção do instinto dos animais, em que o saber inconsciente é aquilo que surge para encobrir essa falta nos seres humanos: “o ser humano manifestamente não tem nenhum saber instintual”, sendo assim, “só há o inconsciente para dar corpo ao instinto.” (Lacan, citado por Jorge, p. 67). Desse modo, Lacan concebe o saber do inconsciente como o saber que preenche a falta do saber instintual, ou, dito de outro modo, a maneira pela qual somos levados a reagir em certas circunstâncias está ligada não a um instinto, mas ao saber do inconsciente, um saber que está veiculado aos significantes. No gráfico a seguir, Coutinho Jorge (2005, p. 68) tenta esquematizar o saber do inconsciente:

Portanto, Lacan ratifica o saber do inconsciente e afirma que o sujeito sabe sem saber que sabe. É desse saber que o psicanalista se vale.

TEMA 4 – O INSCONSCIENTE É ESTRUTURADO COMO LINGUAGEM

Vimos então que o inconsciente é um saber que encobre a falta de instinto no ser humano. Mas, se ele não nasce com esse saber, como este último se constitui? Podemos responder a essa pergunta com o famoso aforisma lacaniano: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Vamos entender, a seguir, o que isso significa.

Lacan valeu-se da linguística na busca de dar um caráter científico à psicanálise, pois ele almejava dar contornos sólidos ao situar o sujeito do inconsciente, visto que o inconsciente freudiano foi alvo de muitas críticas. “A linguística pode servir-nos de guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desempenha na vanguarda da antropologia contemporânea, e não poderíamos ficar-lhe indiferentes.” (Lacan, 1953, p. 286).

Contudo, ao tomar emprestado o saber linguístico defendido por Ferdinand de Saussure, Lacan faz uma inversão de valores, pois é nesse momento que ele consegue exprimir sua tese.

4.1 LACAN X SAUSSURE

Em Saussure, vemos que os signos são estruturados em duas instâncias – significante e significado –, de modo que o significante obedece nitidamente a ordem do significado, consentindo por meio deles um signo: “o signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica” (Saussure, 1916, p. 80). Nesse sentido, para Saussure havia uma reciprocidade biunívoca entre essas instâncias do signo, em que o signo se torna a relação entre um significado e um significante.

Joël Dor (1989, p. 29) em seu livro Introdução à leitura de Lacan, apresenta o gráfico do modelo saussuriano:

No modelo saussuriano, conforme é possível observar pelas setas, conceito e imagem acústica estão atrelados. O conceito tem o valor do significado, e a imagem acústica tem o valor do significante, estando eles representados por s e S. O signo é o resultado dessa conjunção entre significado e significante. Contudo, Saussure aponta para quatro princípios que regem o signo; destacaremos dois: arbitrariedade e caráter linear do significante.

A arbitrariedade atinge o signo em sua totalidade, ou seja, a arbitrariedade do signo reside essencialmente por seu caráter convencional, que se explica pelas inúmeras línguas, em que os mesmos conceitos alcançam diferentes sons, como também pela pluralidade de significados que um mesmo significante pode ter. Já o caráter linear do significante atinge especificamente o significante, visto que, em seu caráter linear, este, sendo de natureza auditiva, se desdobra com o passar do tempo, se tornando uma propriedade de fala.

Contudo, Dor (1989, p. 37) assinala que nem sempre a delimitação de elementos significativos é possível, a não ser que ela seja tomada isoladamente, visto que o princípio biunívoco (α - α’; β - β’...) confirma a ideia de delimitação, garantindo um signo. Entretanto, nem sempre isso é possível, dado que uma imagem acústica pode se articular em dois significantes:

Dessa forma, faz-se necessário considerar o contexto para que o signo seja delimitado. Dor (1989, p. 37) declara que é o mesmo que dizer que o signo só é signo em função do contexto. “Ora, esse contexto é um conjunto de outros signos. A realidade do signo linguístico só existe, pois, em função de todos os outros signos, sendo esta propriedade a que Saussure nomeou de valor do signo”. Em referência a esse tema, Coutinho Jorge (2005, p. 78) explica assim:

Assim, a noção de valor revela, por um lado, que os elementos que compõem o signo são interdependentes entre si e, por outro, que o signo não pode ser isolado do sistema do qual faz parte e do qual também é interdependente. Sendo a língua um sistema cujos termos são solitários, o valor de uma palavra dependerá da significação que lhe confere a presença de todas as palavras do código como também a presença de todos os elementos da frase.

Portanto, observa-se que a língua elabora as suas unidades ao constituir-se entre duas massas amorfas, e o signo linguístico corresponde a uma articulação entre duas massas amorfas entre si, em que uma ideia se fixa no som, ao mesmo tempo que uma sequência fônica se constitui como significante de uma ideia. “A língua é comparável a uma folha de papel. O pensamento é a face, e o som o verso; não se pode cortar a face sem cortar ao mesmo tempo o verso; assim também, na língua, não poderíamos isolar o som do pensamento, nem o pensamento do som”. (Saussure, citado por Dor, 1989, p. 38).

Desse modo, na linguística o surgimento do significante só é possível com a intervenção de um corte, visto que na realidade não existe um fluxo de significantes. Portanto, é por meio de uma intervenção que surge o significante, e ao mesmo tempo que ele surge, se associa a um conceito. “O surgimento do significante é, pois, indissociável do engendramento do signo linguístico em sua totalidade.” (Dor, 1989, p. 38).

Lacan, por sua vez, ao tomar a tese saussuriana, vai de imediato trazer um novo entendimento; ele inverte o esquema do signo linguístico, em cuja justificativa apoia a sua declaração: “o inconsciente é o discurso do Outro”. Desse modo, a fala está referida ao discurso do sujeito, bem como ao Outro como lugar de alteridade do significante. Assim, o significado não poderia ser posto junto ao significante.

A situação estabelecida por Lacan decorre da própria experiência analítica que demonstra que a relação do significante com o significado está sempre prestes a se desfazer. Assim, a ideia de um “corte” que uniria o significante ao significado, ao mesmo tempo que determina ambos, não se sustentaria. Portanto, ele introduz no lugar do corte um conceito original – o ponto-de-basta.

Dessa forma, enquanto em Saussure a unidade da significação é determinada por uma série de corte simultânea (α/α’; β/β’; ϒ/ ϒ’), em Lacan a significação é dada ao conjunto de sequência falada. Nesse sentido, Dor (1989, p. 40) cita Lacan em a Subversão do sujeito: “Vocês encontram a função diacrônica desse ponto-de-estofo (ou ponto-de-basta) na frase, na medida em que esta só fecha sua significação com seu último termo, cada termo sendo antecipado na construção de todos os outros e, inversamente, selando seu sentido por seu efeito retroativo.”

Assim, nos ensinos de Lacan vemos que é sempre retroativamente que um signo faz sentido, de modo que a significação surge ao final de sua própria articulação significante.

TEMA 5 – PRIMAZIA DO SIGNIFICANTE

A compreensão de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem o trouxe para uma materialidade humana, visto que quebra qualquer corrente mística a esse respeito. O inconsciente se encontra nas palavras enunciadas pelo sujeito e é estruturado como linguagem, pois é dessa maneira que ele se avoluma e ganha a sua dimensão na psique humana.

Contudo, a frase lacaniana afirma que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, ou seja, pelas mesmas leis da linguagem, mas Lacan propõe a diferença. No lugar do gráfico apresentado por Saussure, Lacan subverte o entendimento e inscreve a primazia do significante, retira o círculo que o envolvia e designava a sua unidade de signo, como também remove as flechas que indicavam que eram indissociáveis o significante e o significado, ficando assim:

A experiência analítica demonstra que o significante governa o discurso, e quem fala não tem acesso livre ao significado, pois ele está separado daquele pela barra do recalque que separa o significante do significado. Assim, a barra que aparece nesse algoritmo não é a mesma que se coloca para representar a relação do significante com o significado, mas sim que separa o significante de seu efeito de significado. Com efeito, Lacan implica a função do significante com o fundamento da dimensão do simbólico, visto que tudo que é significável se encontra no lugar do Outro, ou seja, na linguagem.

A primazia do significante sobre o significado é reveladora do fato de que, no inconsciente, o significado é abolido, e o significante é o que representa de modo soberano o sujeito para outro significante. Com essa definição aparentemente circular, na qual o elemento que é definido (o significante) surge na própria definição (é o que representa o sujeito para outro significante). (Jorge, 2005, p. 82)

Portanto, o significado surge deslizando na cadeia significante, de modo que o deslizamento entre os dois produz o ponto-de-basta, o qual se enlaça ao significado e significante no discurso analítico, no papel de metáfora e metonímia.

5.1 CADEIA SIGNIFICANTE, SIGNIFICANTES E SIGNIFICADO

Lacan só conseguiu explicitar por meios científicos aquilo que Freud já tinha traçado em seus textos. Por isso, ao compreendermos tais noções dadas por Lacan, teremos mais facilidade para ler Freud. Visando facilitar uma compreensão a respeito desses conceitos, vamos tentar explicá-los de forma breve, visto que vamos nos aprofundar nesse tema mais adiante.

O significante é, primeiramente, o significante da falta no Outro, ou seja, é o efeito de linguagem que se introduz para encobrir a castração. Conforme já devemos ter ouvido, quando uma criança está aprendendo a falar, é importante que os pais não tentem interpretar o que o filho quer, mas deixar a criança no vazio para tentar dizer o que quer, pois isso facilita a produção de linguagem. É mais ou menos isso o que Lacan insere sobre o conceito do significante, ele é efeito de linguagem e surge para encobrir a falta, uma falta simbólica.

No entanto, o significante sozinho não significa nada, todavia, quando é articulado com outros significantes, ele produz a significação. “Ora, a estrutura do significante está, como se diz comumente da linguagem, em ele ser articulado” (Lacan, 1957, p. 504). Essa sequência orientada na organização significante que Lacan designa como cadeia significante, ou seja, são as associações e combinações de significantes, diz Lacan, que fornecem uma aproximação, como de anéis cujo colar se fecha no anel de um outro colar feito de anéis (Lacan, 1957, p. 505).

A origem da cadeia significante vai ser explicada por Lacan por meio da metáfora paterna, em que o desejo-da-mãe é metaforizado pelo significante do nome-do-pai, produzindo uma significação fálica. A partir daí, os significantes conscientes e inconscientes são tecidos em conjunto por intermédio das leis da linguagem: metonímia e metáfora, as duas funções que geram significados.

Portanto, a cadeia significante designa uma função: inserir o desejo inconsciente do sujeito em seu discurso. Assim, a estrutura é posta em desenhos, e sua trama de gozo tecida em sua fala. De modo mais geral, a cadeia significante está envolvida em toda causalidade psíquica.

Leitura complementar

Para se aprofundar nesse tema, recomendamos a leitura do livro de Joël Dor Introdução à leitura lacaniana: o inconsciente estruturado como linguagem.

NA PRÁTICA

Poderíamos chamar nosso estudo de introdução aos conceitos fundamentais em psicanálise, pois nossa intenção, aqui, foi de apenas apontar para os temas fundamentais, visto que são conceitos que demandam tempo de cada um para elaborá-los e, assim, poder compreendê-los. Eles não se esgotam apenas pelo estudo da teoria, mas imprescindivelmente devem passar pela experiência de análise.

Assim, ao finalizarmos esta abordagem com a questão do inconsciente estruturado como uma linguagem, gostaríamos de deixar o convite para que pensemos sobre o porquê de uma formação em psicanálise. Assim, podemos ouvir quais são os significantes que norteiam essa decisão. De posse desses significantes, como eles se associam com a nossa vida e o nosso ser?

Quando conseguirmos fazer essas associações, acreditamos que estaremos mais próximos do real significado que nos trouxe até aqui. E aí, para que possamos nos apropriar desse sentido, busquemos a análise pessoal, pois, por meio desse percurso poderemos, pouco a pouco, nos autorizar na posição de analista.

FINALIZANDO

No tópico 1, nos reportamos ao momento de ruptura de Lacan com a IPA, a partir do qual Lacan se autoriza ir para além de Freud, sem com isso deixar de tê-lo como referência.

No tópico 2, vimos que o resgate dos conceitos fundamentais – inconsciente, repetição, transferência e pulsão – tinha o objetivo, para além de resgatá-los do esquecimento do sentido dado por Freud, afirmar perante a sociedade de psicanálise a sua posição freudiana.

No tópico 3, apontamos que, segundo Lacan, o inconsciente é um saber não sabido pelo sujeito, sendo o saber do inconsciente que recobre a falta de instinto no humano.

No tópico 4, o inconsciente estruturado como linguagem trouxe mais cientificidade para o conceito de inconsciente, pois é possível localizá-lo na fala, visto que ele obedece às mesmas leis de linguagem.

No tópico 5, Lacan, ao inverter a ordem do algoritmo, estabelece a primazia do significante para o sujeito. O significante compõe a cadeia significante do discurso falado do sujeito, sendo sua relação de significante com outro significante que produz a significação, que não está dada.

REFERÊNCIAS

DOR, J. Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

JORGE, M. A. C. Fundamentos da psicanálise, de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. v. 1.

KUPERMANN, D. Um sonho de final de mestrado ou A transferência e o saber na institucionalização da psicanálise. TransForm. Psicol., São Paulo, v. 4, n. 1, 2012.

LACAN, J. (1953). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: _____. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

_____ (1957). Função e campo da fala e da linguagem. In: _____. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

_____ (1964). Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2020.

MILLER, J. A. Contextos e conceitos. In: _____. Para ler o Seminário 11 de Lacan: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

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