Segundo o editor inglês James Strachey, esse texto faz parte do primeiro conjunto de textos que foram “divisores de águas” da teoria freudiana, no sentido de que trouxeram modificações de perspectivas (da Neurologia à Psicologia). Esse estudo de Freud foi escrito a pedido de Charcot durante seu estágio na clínica de Salpêtrière, que apresentamos em conteúdos anteriores.
Segundo o autor, existem dois tipos de paralisia motora de fundo orgânico: as periférico-medulares (nos nervos periféricos) e as paralisias cerebrais.
Freud baseia essa afirmação no trabalho de Golgi, Ramón y Cajal e Kölloker, e diz que “o trajeto das fibras da condução da motricidade é constituído por 2 neurônios (unidades neurais celulofibrilares), que se acham em conexão e se relacionam entre si no nível das células conhecidas como células motoras do corno anterior” (Freud, 1895, p. 203).
Na sequência, o autor descreve a paralisia periférica como detalhada, na qual não há uma regra fixa sobre qual a localização ou extensão de uma lesão nervosa, e a paralisia cerebral como em massa, na qual acomete-se uma parte extensa do corpo, um membro ou mesmo um aparelho motor complexo.
Vale destacar que esses estudos ainda estavam em seu início e que o modelo de neurônio só surgiu efetivamente em 1903 com Ramón y Cajal, enquanto o complexo de Golgi foi publicado em 1898, três anos após a publicação do Projeto. Freud, por também desenvolver inúmeros estudos nessa área, tinha acesso prévio às descobertas dos autores por sua comunicação em congressos e eventos, o que lhe permitia adiantar hipóteses sobre o funcionamento do aparelho psíquico com base nas descobertas que estavam se encaminhando.
Nessa época, era comum associarem a histeria à capacidade de simular essas paralisias, entre outras diferentes doenças de fundo orgânico. Sobre isso, Freud afirma que as paralisias histéricas não afetam músculos isolados e sempre se apresentam em larga escala, semelhantes às paralisias cerebrais, mas como paralisias de representação. Nesse sentido, ele afirma:
Em primeiro lugar, [a paralisia histérica] não obedece à regra, que se aplica regularmente às paralisias cerebrais orgânicas, segundo a qual o segmento distal sempre está mais afetado do que o segmento proximal. Na histeria, o ombro ou a coxa podem estar mais paralisados do que a mão ou o pé. […] e, clinicamente, podem-se encontrar com muita frequência essas paralisias isoladas, contrariando as regras da paralisia cerebral orgânica. (Freud, 1895, p.205-6).
Freud também observou que, no caso das afasias em histéricas, era possível que uma paciente tivesse dificuldade de falar ou compreender um idioma específico (seu idioma materno, por exemplo), mas permanecer capaz de compreender um outro idioma, algo que não é possível de ocorrer numa afasia orgânica. Nas lesões orgânicas, além disso, observa-se um prejuízo nas funções de forma desigual, sendo as funções mais complexas e adquiridas tardiamente no desenvolvimento humano que são as mais afetadas; já na sintomatologia histérica, muitas vezes as funções mais primitivas, aquelas adquiridas durante a tenra infância, ou as mais simples é que são afetadas, havendo um prejuízo perfeitamente sincronizado com as questões psíquicas do paciente:
A paralisia histérica se caracteriza, pois, pela delimitação precisa e pela intensidade excessiva; possui essas duas qualidades ao mesmo tempo, e é nisso que manifesta maior contraste em relação à paralisia cerebral orgânica, na qual regularmente se constata que essas duas características não se associam entre si (Freud, 1895, p. 207-8).
Freud, assim como Charcot, acredita que a lesão histérica, diferente da lesão orgânica que tem origem cortical, tem sua origem de forma dinâmica ou funcional, conectada às experiências do paciente que não foram elaboradas. Ou seja, “o que está em questão é a concepção corrente, popular, dos órgãos e do corpo em geral” (Freud, 1895, p. 213). Essa frase será vista com muita frequência nos estudos a respeito de Freud e da histeria, pois ela traduz de maneira única e direta o significado da histeria na dinâmica da formação dos sintomas.